Francisco Manuel Martins de Oliveira |
Martins de Oliveira, nascido na vila da
Póvoa, da freguesia de Lanhoso, em 1824, residia, à data dos motins da Maria da
Fonte, em Fontarcada, paróquia curada por um tio seu. A sua apetência para a
escrita lavá-lo-ia a ser o primeiro natural da terra a publicar relatos
precisos sobre a “revolução” da Maria da Fonte, a que assistira de perto
(morava em Fontarcada e tinha 21 anos de idade) e sobre a qual inquiriu algumas
das participantes nos desmandos contra as autoridades. A publicação dessas
crónicas ocorreu quer em periódicos e revistas nacionais, quem em almanaques
brasileiros. Em 1886 seria mesmo o principal conselheiro do jornalista Azevedo
Coutinho quando este deu à estampa, no semanário que ainda hoje se publica com
o nome da guerrilheira povoense, a “História da Revolução da Maria da Fonte”[1], o escrito local que melhor retrata os
episódios vividos no concelho em 1846. Escreveu ainda sobre outras matérias
locais e foi vereador da câmara municipal.
Francisco
Manuel Martins de Oliveira nasceu na vila da Póvoa, na parte então pertencente
à freguesia de Lanhoso, concelho da Póvoa de Lanhoso, em 2 de janeiro de 1824,
sendo filho legítimo de António José de Oliveira, lavrador, natural de Pedralva
(Braga), e de sua mulher Maria Josefa Martins, natural da freguesia de Taíde
(Póvoa de Lanhoso)[2]. Seus avós paternos foram Bento
José de Oliveira e Ângela Maria da Conceição, à data do seu nascimento residentes
na mesma vila de Lanhoso, e maternos Francisco Martins e Maria da Afonseca, da
freguesia de São Miguel de Taíde. Foi seu padrinho de batismo um tio paterno,
reverendo Francisco José Martins, e madrinha a tia materna Custódia Martins, de
Taíde[3].
Na pia batismal o pequeno recebeu o nome de Francisco Custódio – nomes próprios
que, oficialmente, ainda usava em 1850. Mas, talvez porque já antes fosse assim
chamado pelos familiares ou porque Francisco Manuel lhe parecesse nome mais
literário para assinar os seus escritos, em 1867 procedeu à alteração
notarialmente.
Terá
sido no seio da família, e talvez sob orientação do próprio padrinho, que
aprendeu as primeiras letras, as quais posteriormente desenvolveu à força de
muita leitura. O estudo deve ter prosseguido quando, ainda jovem, talvez por
morte dos pais, foi viver para Fontarcada, fazendo companhia a seu tio, o
padre-cura João Martins Lopes que a história dos motins da Maria da Fonte virá
a registar como o clérigo que se encontrava na capela de São Francisco de
Simães preparado para presidir às exéquias quando as revoltosas de 1846 decidiram
afrontar as autoridades administrativas, transportando elas próprias em ombros
e sepultando, contra as ordens expressas do administrador, o cadáver de
Custódia Teresa dentro da igreja fontarcadense[4].
Não
obstante uma acentuada propensão para as letras, a vida de trabalho de Martins
de Oliveira desenvolveu-se, desde muito jovem, na agricultura, como o próprio
viria a escrever em 1856, quando já cronista regular de um conjunto de jornais
e revistas, em artigo publicado na “Gazeta das Aldeias”: “Trabalho com a pena a
favor da lavoura; nasci de pequenos agricultores, mestres na sua arte,
profissão também exercida pelos meus antepassados, e agricultor me conservo
desde a minha mocidade. Daí, da minha experiencia, e dos resultados do meu
labor, vem a minha paixão pela vida dos campos”.
Na
verdade Martins de Oliveira dedicou parte importante da sua vida a estas duas
grandes paixões: a escrita e a agricultura. Como cultivador tornou-se
“experimentador” de novos processos, assumindo e desenvolvendo tudo quanto de
novo se tentava na agricultura da época. Recorde-se que, com as revolucionárias
alterações das leis liberais que retiraram terras às ordens religiosas e às
nobrezas ociosas, que acabaram com os morgadios e que venderam parte dos
baldios às classes menos favorecidas, processo a que pax regeneradora e o seu momentâneo desafogo económico deu novas
condições de exequibilidade, a agricultura, em Portugal, sofreu profundas
transformações ao longo de toda a segunda metade da centúria de oitocentos[5].
Martins de Oliveira usou, em paralelo, os seus dons literários para colaborar,
fazendo publicar muitas dezenas de artigos em que misturava o empirismo à nova
ciência da hortofloricultura, em diferentes publicações periódicas, como Jornal da Sociedade Agrícola do Porto, Jornal de Agricultura e Horticultura Prática,
Jornal Hortícola-agrícola, Revista Agrícola de Guimarães ou Gazela das Aldeias.
Casou,
em 9 de janeiro de 1850, com Ana Francisca Vieira Martins Lopes, natural da
freguesia de Lanhoso[6],
filha legítima de António José Vieira e Rosa Joaquina Martins Lopes, oriundos de
Santo André de Frades, mas moradores na vila da Póvoa da Póvoa. Poucos anos após
o nascimento, Ana Francisca foi levada para Fontarcada, onde passou a residir
com uns tios, o major de artilharia João Baptista Lopes Veloso e D. Maria Joana
Martins Lopes, da casa da Arrifana de Baixo. O casal viria a ter pelo menos duas
filhas: Maria Angelina e Maria Augusta Martins Lopes de Oliveira[7].
Com a
esposa, veio a herdar, à morte dos tios, a casa da Arrifana de Baixo de Fontarcada,
onde fora habitar após o casamento.
Faleceu,
aos 80 anos de idade em 29 de maio de 1903, tendo o jornal local Maria da
Fonte, do qual havia sido em 1886 um dos fundadores e seu dirigente nos primeiros
anos de publicação, anotado: “O extinto era um dos agricultores práticos que,
durante muitos anos, escreveu sucessivos artigos em diferentes jornais, com
grande aproveitamento para toda a classe agrícola. Ao longo da vida, apresentou
estudos e trabalho prático em vários certames nacionais, tendo sido
variadíssimas vezes por eles premiado”[8].
Foi também
cronista de periódicos nacionais e internacionais com artigos e crónicas sobre
história, nomeadamente história local, tornando-se o primeiro povoense a
relatar para fora de portas os acontecimentos da Revolução da Maria da Fonte de
1846. Recorde-se que, residindo em Fontarcada e sendo sobrinho do cura da paróquia,
com quem habitava e com quem, certamente, muito conversou sobre este assunto,
era senhor de informação precisa sobre os acontecimentos. Mais tarde, já
entrado em anos, adjuvou o escritor Azevedo Coutinho com importantes
apontamentos e informação para a redação do folhetim que este publicou no
hebdomadário cujo nome homenageava a virago povoense, intitulado História da
Revolução da Maria da Fonte (1886).
Tornou-se
um homem culto e respeitado por toda a comunidade. Foi membro de várias
irmandades religiosas e, nas décadas de 1870-1880 vereador da câmara municipal.
Foi avô
de duas importantes figuras da primeira metade do século XX: o padre Francisco
Dias de Oliveira, um dos fundadores do Sport Clube Maria da Fonte; e o médico
Adriano Martins[9], primeiro administrador do
concelho a seguir à implantação da República, várias vezes presidente da câmara
e do senado municipal durante o mesmo período, e líder local incontestado do
Partido Democrático durante todo o período de 1910 a 1926.
Especialmente
pela sua dedicação à história da Revolução da Maria da Fonte, mas também pelo
que, em muitos outros campos, de si deu à comunidade povoense, Francisco Manuel
Martins de Oliveira deve ser relembrado como um dos grandes povoenses do século
XIX.
José
Abílio Coelho
[1] Publicado por mais de
uma vez, como folhetim, no hebdomadário local que tem por patrona a heroína
povoense, esta História da Revolução da
Maria da Fonte foi, em 1997, dada a público em livro chancelado pela editora
Ave Rara, com prefácio de Paulo A. Ribeiro Freitas.
[2] ADB, Paroquiais de
Fontarcada, óbitos, 1903, fl. 4v.
[3] ADB, Paroquiais de
Fontarcada, batismos, 1824, fls. 109v.-110.
[4] Sobre este assunto ler
Coutinho, Azevedo, História da Revolução
da Maria da Fonte, Póvoa de Lanhoso, Editorial Ave Rara, 1997.
[5] Sobre este assunto pode
ler-se, entre outros, Graça, Laura Larcher, “Revolução Liberal e Organização da
‘Profissão’ Agrícola”, in Propriedade e
Agricultura: evolução do modelo dominante de sindicalismo agrário em Portugal,
Lisboa, Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, dis.
de doutoramento, 1999, pp. 12-77.
[6] Foram testemunhas do
casamento o dito major João Batista Lopes Veloso, tio da noite e o reverendo
Francisco José Martins, reitor de São Cristóvão de Parada de Cunhos, freguesia
do concelho de Vila Real, e ainda o reverendo João Martins Lopes, da mesma casa
da Arrifana de Baixo. ADB, Paroquiais de Fontarcada, casamentos, 1809-1862, fl.
40v.
[7] ADB, Paroquiais de Fontarcada, óbitos, 1903,
fl. 4v.
[8] Cf. Jornal Maria da
Fonte, nº 411, de 31 de Maio de 1903, p. 2.
[9] Cf. Jornal Maria da Fonte,
nº 411, de 31 de Maio de 1903, p. 2.