terça-feira, 26 de abril de 2011

Cremildo Pereira (1911-2005) — Historiador

Natural da freguesia de Geraz do Minho, em cuja Casa da Bouça nasceu a 18 de Setembro de 1911, por ali brincou e cresceu, tendo sido também aí que aprendeu as primeira letras. Terminada a instrução básica, seguiu para o Porto, onde estudou mais alguns anos, até que, pelos 19 anos, regressou a Geraz e à Póvoa de Lanhoso. Com os irmãos Jovelino — regressado do Brasil havia pouco tempo — e Gumercindo participou activamente na reactivação do Sport Clube Maria da Fonte.
Em 1930 Cremildo Pereira partiu para África, mais precisamente para a província portuguesa de Moçambique, onde se empregou como contabilista da Companhia dos Caminhos de Ferro. Ali viria a casar-se pouco tempo depois.
Ainda em Moçambique, apaixonou-se pelo minibasket, uma modalidade então muito pouco conhecida, tendo-se tornado seu principal divulgador naquele território. Escrveu e publicou vários trabalhos sobre a matéria. É da sua autoria o primeiro livro com as regras do mini-     basket que se publicou na África portuguesa.
Regressou a Portugal em 1975, após a “descolonização” resultante da “revolução dos Cravos”, optando por ficar a residir em Queluz, com a esposa. Nessa ocasião foi um importante rádio-amador, paixão que praticou durante vários anos e lhe granjeou inúmeros amigos pelo mundo inteiro.
Outra das suas grandes paixões foi a investigação de história local da Póvoa de Lanhoso, sua terra natal. Desde Queluz, deslocava-se quase todos os dias para Lisboa, onde, na biblioteca nacional, passava dias inteiros a tomar apontamentos que, mais tarde, serviram para a redacção de vários trabalhos historiográficos. Para além de uma colaboração regular na imprensa local, publicou uma série de estudos — todos em edição de autor, policopiada — onde abordou os feitos de alguns dos mais famosos povoenses de sempre: a Revolução da Maria da Fonte, a figura do herói da conquista de Lisboa, Martin Moniz, ou as Invasões Francesas, foram alguns dos temas que desenvolveu, e que reuniu numa publicação que intitulou de "Heróis das Terras de Lanhoso". A história familiar também o entusiasmou, de tal modo que chegou a fazer uma árvore genealógica dos Pereiras de Berredo (Gerás) que recuava ao miolo da Idade Média. Cremildo Pereira publicou ainda alguns outros pequenos trabalhos sobre figuras da sua freguesia de Geraz do Minho. Na década de 80 do século XX redigiu uma pequena monografia do concelho da Póvoa de Lanhoso, que se mantém inédita.
Cremildo Pereira viria a falecer no dia 10 de Março de 2005 em Queluz — onde ficou sepultado.

José Abílio Coelho

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Adriano Vieira Martins (1875-1937) — Médico e político


Adriano Vieira Martins nasceu na freguesia de Fontarcada em 1875. Fez os “preparatórios” na cidade de Braga, seguindo depois para Coimbra em cuja universidade, em 1903, concluiu o curso de Medicina. Regressou à Póvoa de Lanhoso, onde passou a exercer a actividade clínica. Em 1910, foi o primeiro administrador republicano do concelho e também o primeiro presidente da Câmara pós-Monarquia. Líder local do Partido Republicano, foi um dos mais poderosos políticos povoenses durante os 16 anos que durou a I República, tendo sido, ao longo desse período presidente da câmara, administrador do concelho e presidente do senado municipal por várias vezes.
Foi médico e director clínico do Hospital António Lopes, e grande amigo do benemérito António Lopes.
Após o golpe de 28 de Maio de 1926, tornou-se simpatizante da Ditadura Militar e, por isso, conquistou desafectos e polémicas públicas, vindas especialmente daqueles que, nos 16 anos anteriores, foram seus correlegionários e amigos. Paixão Bastos e o também médico Dr. Custódio foram os que mais a mal lhe tomaram a “viragem”, e afrontaram-no vezes sem conta com críticas nos jornais. Adriano Martins viria, aliás, a tornar-se um dos protagonistas da primeira grande crise no interior da Misericórdia, envolvendo-se numa disputa nos jornais com outros médicos por causa do altíssimo ordenado de que auferia como director clínico do Hospital. Em consequência desta crise, um enormíssimo grupo de figuras da Póvoa prestou-lhe uma cerimónia de desagravo. Entre os que foram a Fontarcada prestar essa homenagem, estavam alguns dos protagonistas do futuro Estado Novo como Manuel José de Sá ou o Padre José António Dias.
Adriano Vieira Martins faleceu em 15 de Junho de 1937.

José Abílio Coelho

sábado, 23 de abril de 2011

Azevedo Coutinho (1860-1918) — Jornalista e escritor

António Júlio de Azevedo Coutinho nasceu na Quinta de Bouçó, freguesia de Fontarcada (Póvoa de Lanhoso), a 11 de Julho de 1860. Não conhecemos o percurso da sua formação, mas é provável que tenha aprendido as primeiras letras em casa, já que seu pai, João António Rodrigues de Azevedo Coutinho, era, ele próprio, um homem dado às letras, tendo publicado, em 1889, um opúsculo intitulado “Descrição do Santuário e Romaria de Nossa Senhora do Porto d’Ave”, no qual se identificava como Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Depois, deve ter seguido o caminho de muitos jovens de posses da mesma idade, completando o ensino básico na sua terra e ido a Braga, frequentar o Liceu.
Tinha verdadeira propensão para as letras, e especialmente para o jornalismo, actividade com a qual viria a ocupar-se durante parte significativa da sua vida. Em 1986, com apenas vinte e um anos de idade, o seu nome honra da primeira página do número um do semanário local “A Maria da Fonte”, destacando-se como redactor principal. Saem da sua pena quase todas as notícias mais pequenas, mas é ainda da sua veia literária que brota, logo de seguida, a “História da Revolução da Maria da Fonte”, um texto onde, colhendo o testemunho de muitos contemporâneos do levantamento das mulheres de Fontarcada, traça os principais passos das “heroínas” de 1846. Cabe a Azevedo Coutinho, aliás, a tese de que a célebre guerrilheira da Póvoa de Lanhoso terá sido a estalajadeira Maria Luísa Balaio.
Para além de jornalista e director da primeira fase de “A Maria da Fonte”, Azevedo Coutinho pertenceu, ainda na Póvoa de Lanhoso, ao grupo dramático 1.º de Dezembro, na qualidade de fundador, actor e cenógrafo.
Em 1890 fixa residência em Braga, onde foi redactor dos jornais “Correio do Minho” e “O Progressista”. Mas a sua estada na cidade dos Arcebispos caracteriza-se ainda pela fundação e edição dos roteiros turístico-históricos “Bom Jesus do Monte” e “Guia do Viajante de Braga”. Amante da liberdade e fiel seguidor dos princípios da Revolução Francesa, que deixa bem expressos na introdução da já citada “História da Revolução da Maria da Fonte”, Azevedo Coutinho abraça, ainda nos finais do século XIX, as causas da Democracia, tornando-se num destacado lutador em favor dos mais pobres e do operariado. É nessa qualidade que participa numa récita, realizada em Braga em 24 de Abril de 1892, com um longo poema intitulado “O Trabalho”, que virá a ser publicado em livro.
Mais tarde, estabelece-se no Porto, onde desempenha funções de agente e correspondente de companhias seguradoras. Viria a falecer naquela cidade banhada pelo Douro no dia a 7 de Setembro de 1918.
Povoense pelo nascimento, o seu nome ficou gravado na história da sua terra natal por duas razões, especialmente: em primeiro lugar, por ter sido o primeiro director do semanário “A Maria da Fonte”; e, em segundo, porque escreveu a primeira “História da Revolução da Maria da Fonte” onde defendeu a tese, ainda hoje a mais verosímil, de ter sido a estalajadeira Maria Luísa Balaio a mulher que deu nome à revolução que, em 1846, daria início a um processo que levaria à queda do governo de Costa Cabral.

José Abílio Coelho

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Padre David Novais (1906-1978) — Fundador da Casa de Trabalho de Fontarcada

Nascido na freguesia de Grimancelos, do concelho de Barcelos, no dia 5 de Março de 1906, o padre David Rodrigues Novais destacou-se como fundador e “alma”, ao longo de toda o tempo em que foi pároco de Fontarcada, de uma instituição que é, hoje, uma referência em toda a região: a “Casa de Trabalho de Fontarcada”, Instituição Particular de Solidariedade Social actualmente dirigida pelo padre Magalhães dos Santos, e que acolhe cerca de sete dezenas de pessoas com deficiência mental. Mas a história desta Casa, fundada há mais de setenta anos, conta com momentos dolorosamente difíceis nas primeiras décadas da sua existência.
Poucos anos após ter sido ordenado sacerdote em Braga, o padre David Rodrigues Novais foi colocado na paróquia de Fontarcada. Portugal vivia momentos muito difíceis. A Europa não se tinha refeito ainda do drama que representara a I Grande Guerra, a doença e a fome consumiam os países periféricos e Portugal, já mergulhado em pleno Estado Novo, mantinha-se envolvido num atraso atávico. Apesar do equilíbrio das contas públicas conseguido por Oliveira Salazar, o sector industrial era subdesenvolvido e o interior do país, dedicado quase exclusivamente à agricultura, mantinha taxas de analfabetismo altíssimas. Os pobres constituíam a maioria da população e os sistemas de protecção à pobreza e à doença eram ainda incipientes.
Preocupado com este estado de coisas, o Padre David Novais reuniu à sua volta um grupo de senhoras da paróquia, e, sob a tutela de uma instituição mais abrangente com sede no Porto (a Cruzada do Bem), fundou em Fontarcada um ponto de acolhimento de “moças” a que chamou a “Casa da Protecção”. Estávamos em 1939 e a Europa envolvia-se no conflito que viria a ficar para a História como a II Guerra Mundial.
A obra fundada pelo Padre David destinava-se à recolha de raparigas pobres que, pelas mais variadas razões (grande parte delas sofria de doenças do foro mental), estavam em risco ou já se haviam mesmo “perdido na vida”.
Sem outros apoios que não fosse a caridade alheia, o Padre David dedicou-se a esta obra de alma e coração. Para além da ajuda do grupo de senhoras que sempre lhe deu o seu apoio, Padre David corria a região de mão estendida, pedindo esmola para as “meninas” da sua “Protecção”. Recebia de tudo, desde roupas usadas, móveis velhos, mercearias e mesmo algum dinheiro que algumas famílias mais abastadas lhe davam “por amor de Deus”. Mas a grande preocupação do Padre David, maior ainda que a falta de meios, era recolher todas as raparigas maltratadas de quem lhe chegasse notícia. Fosse no concelho ou fora dele, fosse nas freguesias do distrito ou mesmo para terras de Barroso, mal chegasse aos ouvidos do Abade de Fontarcada que em determinada terra havia uma moça ao abandono, sem parentes e seu tecto, largava tudo o que tivesse para fazer e lá ia, batendo a muitas portas até a conseguir encontrar e até alcançar licença para a trazer ao aconchego da sua “Protecção”.
Quando faleceu, no dia 3 de Abril de 1978, o padre David Rodrigues Novais legou à região e ao país não apenas uma obra social por todos reconhecida como exemplo, capaz de acolher os mais carecidos; mas, especialmente um exemplo de dádiva e de sacrifício em favor do seu semelhante.
A sua obra existe ainda, bem viva, para afirmar público testemunho do querer de um homem, de um sacerdote, que foi capaz de se dar aos que dele precisaram.

José Abílio Coelho

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Abílio Hernâni Teixeira Ribeiro (1909 -1996) - Provedor da Misericórdia

Abílio Hernâni Teixeira Ribeiro destacou-se por ter sido Provedor da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso ao longo de quase duas décadas, tendo sido durante os seus mandatos que a Santa Casa deu um enorme salto quantitativo na oferta de serviços e na qualidade das suas valências.
Nascido na Vila da Póvoa de Lanhoso no dia 9 de Julho de 1909, filho do advogado Alfredo António Teixeira Ribeiro e de sua esposa D. Elvira Amália Geão Areias, Abílio Hernâni fez a instrução primária na escola da terra natal. Como não demonstrasse grande interesse em continuar estudos, empregou-se nos “Armazéns Grandela”, em Lisboa, onde deu início a uma carreira no comércio que havia de desempenhar ao longo da sua vida. Em Lisboa, e dado do seu espírito curioso e irrequieto que haveria de o caracterizar ao longo de toda a vida, integrou-se na vida intelectual da cidade, fazendo amizade com alguns intelectuais da época. Motivado por esse contacto e pela vontade de saber, o que não quisera aprender nos bancos da escola cultivou-o por conta própria. Leitor inveterado, especialmente de revistas técnicas e científicas das áreas da agricultura, da fotografia e da meteorologia, aprendeu línguas, lendo e falando fluentemente francês e inglês e possuindo ainda conhecimento do alemão. Aprendeu, falando fluentemente, esperanto, uma “língua planeada” que, até meados do século XX, teve muitos cultores em todo o Planeta, a qual lhe permitiu corresponder-se com pessoas de todo o mundo. Ainda em Lisboa, tornou-se maçom, uma filiação que o acompanhou por quase toda a vida.
De Lisboa, já adulto, veio para o Porto, onde continuou a trabalhar no comércio. Foi no Porto que desenvolveu um dos seus passatempos favoritos – a fotografia - tendo-se tornado um experiente e apaixonado fotógrafo amador, cujas películas revelava e imprimia em laboratório próprio.
Regressado à sua terra, instalou-se na Quinta de Couço, em Louredo, que lhe pertencia. Experimentado no comércio e grande proprietário agrícola, tornou-se presidente do Grémio da Lavoura, onde se apresentava todos os dias e onde convivia com os agricultores do concelho.
Assumidamente simpatizante de políticas de esquerda e membro da maçonaria, era, essencialmente, um homem de equilíbrios. Foi por isso que, após os tempos de agitação que se seguiram à Revolução do 25 de Abril de 1974, e quando a Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso se encontrava envolvida em desentendimentos internos, o foram convidar para se candidatar a Provedor. Venceu as eleições (apesar de sempre ter dito que não sabia como o tinham feiro Irmão, até pelo facto de se confessar ateu e a Misericórdia ser uma Irmandade cujos estatutos só admitiam cristãos), e cumpriu os afazeres do cargo entre 19 de Outubro de 1977 e 31 de Dezembro de 1994. À frente da Irmandade, desenvolveu um trabalho notável de expansão das valências, tendo ficado para a história da instituição pela luta que travou contra a assunção da administração do Hospital sem que o Estado (que tomara a sua administração a seguir à Revolução dos Cravos e o deixou deteriorar quase até à ruína) assumisse a responsabilidade de o entregar nas mesmas condições em que o tomou, bem como pela atenção e carinho que colocava na relação com idosos utentes do Lar de São José, com os quais vinha consoar deixando para trás a sua família.
Abílio Hernâni Teixeira Ribeiro viria a falecer na sua Quinta de Couço, em Louredo, a 3 de Fevereiro de 1996. Tinha 91 anos de idade.


José Abílio Coelho

Manoel Joaquim Barbosa Castro (1820-1911) — Benemérito

Manoel Joaquim Barbosa Castro foi um dos grandes beneméritos povoenses do século XX, tendo, na construção da igreja de Nossa Senhora do Amparo, hoje matriz da paróquia da mesma devoção, a sua obra mais significativa.
Nascido na freguesia de Lanhoso (Póvoa de Lanhoso) no ano de 1820, era filho de Ricardo José Barbosa e de Maria Joaquina de Castro, pequenos proprietários agrícolas do lugar de São Pedro, portas da Vila da Póvoa. Partiu para o Brasil, crê-se que ainda bastente jovem, onde fundou, à sociedade com seu irmão Joaquim Bernardino, a “Casa Comercial Barbosa Castro”. Foi neste estabelecimento que enriqueceu, tendo, nos finais da década de 1860, regressado a Portugal, fixando residência em Lisboa. Contudo, após adquirir a Casa da Botica, passou a residir em permanência na sua Vila natal, onde já se encontrava fixado em 1872. Foi casado com D. Januária de Sá Castro, a quem, na terra, chamavam “a Brasileira”, como a própria quis deixar gravado na sua pedra tumular no jazigo que possuíam no cemitério da Vila. Deste casamento com Dona Januária de Sá Castro, nasceram, legitimamente, duas crianças: Maria de Sá Castro e Artur de Sá Castro.
Homem rico de bens materiais e de amor à sua terra, Barbosa Castro empenhou-se, após o regresso do Brasil, em vários melhoramentos locais. Do seu bolso abastado e da sua “liberalidade”, espírito que enformava quase todos os que, na segunda metade do século XIX vieram ricos do outro lado do Mar Atlântico, saiu dinheiro para muitas obras públicas, como o arranjo do Largo que teria, e ainda tem, o seu nome. Ficou também na memória das gentes da Póvoa a dedicação que votava aos pobres, a quem sempre ajudou na medida das necessidades de cada um e na da sua própria disponibilidade, como ficou registado na imprensa da época.
Contudo, o que o imortalizou, o que gravou a ouro o seu nome na história das Terras de Lanhoso foi a construção, a custas exclusivamente suas, da capela da Senhora do Amparo, hoje igreja matriz da nossa vila, obra que iniciou em 1874 e foi dada por concluída em 1882 como ficou gavado nas paredes interiores da capela mor do edifício. Em vida, sempre disponibilizou aos habitantes da Vila a sua igreja para o culto, tendo esta, após a sua morte, sido alvo de um processo judicial pela sua posse, o qual subiria até ao Supremo e acabaria por ditar a sua definitiva entrega à paróquia da Senhora do Amparo.
Em fim de vida e doente, Barbosa Castro, optou por adquirir uma habitação no Campo de Sant’Ana (actual Avenida Central), em Braga, onde viria a falecer em 16 de Março de 1911.
 O semanário “Maria da Fonte” dedicou-lhe uma extensa matéria duas semanas depois da sua morte, onde se lê que: “Senhor d’uma avultada fortuna, amealhada em longos anos de torturantes fadigas em terras de Santa Cruz, num trabalho persistente e extenuador, mas honrado e digno, como honrado e digno era o seu carácter, ninguém melhor do ele soube fazer uso dessa fortuna, conciliando o que devia aos seus, como chefe de uma numerosa família, com os sentimentos de altruísmo e de piedade, que nunca o abandonaram”.
José Abílio Coelho

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Elvira Câmara Lopes (1856-1910) — Benemérita

Elvira, filha legítima de Manoel de Pontes Câmara e de sua esposa D. Guilhermina de Mattos Vieira, ele natural da Ilha da Madeira, ela do Rio de Janeiro, nasceu na Rua 23 de Julho[1], paróquia de Santo Ildefonso, da cidade do Porto, no 5 de Setembro de 1856, em cuja igreja matriz viria a ser baptizada a 4 de Outubro do mesmo ano. Era neta paterna dos madeirenses Francisco de Pontes e D. Maria Narciza da Câmara, e materna de D. Emília Carlota Domingues, brasileira do Rio de Janeiro, e de avô incógnito, tendo sido seus padrinhos António Serafim Leite Basto e sua mulher D. Maria da Vitória Magalhães Leite Basto[2], proprietários da casa onde a mãe da recém-nascida estava hospedada quando a menina nasceu, enquanto o marido se encontrava ausente, na cidade do Paris[3].
O nascimento de Elvira de Pontes Câmara em Portugal ocorreu acidentalmente, no decurso de uma viagem que o casal empreendera à Europa, onde seu pai, emigrante português no Império do Brasil e negociante de largo trato, tinha grandes interesses comerciais. Mas se a vida tem caminhos pré-definidos, se nada acontece por acaso, este nascimento acidental em Portugal viria a mostrar-se providencial, dada a profunda ligação que D. Elvira viria a ter ao nosso país.
Pouco tempo após o nascimento, a menina regressou com os pais ao Brasil onde, na cidade do Rio de Janeiro, cresceu e brincou entre um conjunto de irmãos — várias raparigas e apenas um rapaz, Manoel de seu nome, o mais novo da prole —, sendo educada nos melhores colégios. Ali se fez mulher, no convívio com a melhor sociedade «carioca» da época.
Até que, com pouco mais de 15 anos de idade, conheceu na residência de seu pai o português António Ferreira Lopes, natural da Póvoa de Lanhoso, com quem viria a casar-se em Janeiro de 1875[4]. Ela tinha 18 anos de idade, ele 29.
Em 1888, muito rica e sem filhos, regressou com o marido a Portugal. Definitivamente. Instalou-se o casal num belíssimo palacete na parte mais nobre da cidade de Lisboa, a Avenida da Liberdade, onde habitava grande parte do ano, e, pelo menos durante três meses, entre finais de Agosto e finais de Outubro ou inícios de Novembro, vinham ambos instalar-se na Póvoa de Lanhoso, no Palacete das Casas Novas que mandaram edificar após o regresso à pátria de Camões.
Com graves problemas de saúde, especialmente nos últimos anos da sua vida, D. Elvira de Pontes Câmara Lopes havia de morrer jovem, aos 53 anos de idade, na noite fria de 11 de Fevereiro de 1910 — poucos meses antes da implantação da República em Portugal.
A serena morte desta distintíssima senhora, que lia e falava fluentemente francês e tocava piano, que estudara nos melhores colégios da capital do já independente Império do Brasil e viajara vezes sem conta por toda a Europa, ocorreu em Lisboa, depois de quase seis anos padecendo de uma doença degenerativa que a obrigava a deslocar-se numa cadeira de rodas.
A notícia do seu falecimento chegou à Póvoa de Lanhoso via telégrafo manhã cedo do dia seguinte à sua morte. A terra, que a venerava e que nos elogios fúnebres lhe chamou «mãe» e «santa», vestiu de luto, e nos meses seguintes as missas pela sua alma encheram com as elites locais e o povo mais humilde as igrejas de todo o concelho.
Mas, quem foi, na realidade, para os povoenses que a adoravam, que guardaram até hoje o seu nome na memória e deram o seu nome a uma rua da vila, Dona Elvira Câmara Lopes? Foi a protectora dos pobres, a consoladora dos aflitos, o amparo das mães solteiras, o coração aberto e a mão gentil que, na sua residência local, recebia para lhes atenuar a fome e o frio crianças e mulheres que viviam na mais profunda miséria. Assim a descrevem, sem excepção, os jornais que à época se publicavam na Póvoa de Lanhoso. Assim a vemos nós, ainda hoje, num conjunto de fotografias captadas por visitas da casa que cá habitou, quando os portões do terreiro do Palacete das Casa Novas se abriam de par e par e por ali adentro acediam à protecção daquela senhora franzina e de olhos vivos dezenas e dezenas de crianças e mulheres, esfarrapadas e descalças. A todos consolava, a todos estendia a mão fraterna, a todos distribuía alimento e agasalho. Por isso, tantos lhe chamaram «mãe», apesar da Providência lhe não ter dado filhos naturais; por isso, muitos outros a apelidaram de «santa», embora o coração magnânimo do marido a não obrigasse a esconder no avental o pão para os pobres por milagre transformado em rosas.
Rica por nascimento, solidária por formação e influência familiar, bondosa por natureza, D. Elvira de Pontes Câmara Lopes foi em vida um exemplo de bem-fazer, não para com os da sua igualha, mas para com todos aqueles a quem a Providência deserdara de bens materiais e de saúde, sempre nesse doar constante apoiada pelo marido, que a ela se referiu tantas vezes como «a minha amada esposa».
O resto desta história de amor, desta união que durou trinta e cinco anos — a vida do casal no Rio de janeiro, a viagem de núpcias a Portugal alguns anos depois, a morte por afogamento, num naufrágio, de Manoel de Pontes Câmara quando, já viúvo, de Lisboa se dirigia para a Inglaterra, o regresso definitivo a Portugal, a instalação em Lisboa e os Verões na Póvoa de Lanhoso, a fundação dos Bombeiros e a construção do Theatro Club, o desprezo pela política e pelos cargos, as viagens familiares pela Europa, a porta sempre aberta para receber amigos, ricos ou pobres, titulares ou plebeus, as obras grandiosas que fizeram na nossa terra, o papel charneira no maior desenvolvimento que a Póvoa conheceu ao longo de toda a sua história — será desenvolvida, noutros suportes, em data futura.
Por agora, ao cumprirem-se 100 anos sobre o seu desaparecimento do mundo dos vivos, importa destacar o papel de Dona Elvira de Pontes Câmara Lopes como mulher solidária, como protectora dos pobres e dos aflitos, como «mãe» carinhosa dos filhos alheios, como a dona de um coração bondoso por detrás da face do marido que empreendeu todas as obras. E importa dizer ainda que, apesar do Hospital António Lopes, cujas obras se iniciaram em 1912 e concluíram em 1917, ter sido edificado já depois da morte desta nobre Senhora a quem a Póvoa relembra com saudade, não deixou de contar também com o seu contributo, fosse pelas inúmeras vezes que em vida pediu ao marido construísse na nossa terra «um hospital para os pobres» (especialmente por, quando cá se encontrava, em férias, assistir, aflita, quase diariamente, ao sofrimento de doentes e acidentados que em carros de bois eram transportados para o hospital de Braga, numa deslocação dolorosa que demorava várias horas), fosse pela riqueza que António Lopes dela recebeu para juntar à sua, após a abertura do testamento que o tornava seu universal herdeiro, já que haviam casado após firmarem um acordo antenupcial através do qual cada um deles manteria, em vida, a posse dos próprios bens e tornaria o sobrevivo herdeiro universal daquele que primeiro partisse.
D. Elvira de Pontes Câmara Lopes faleceu em Lisboa pelas dez horas da noite do dia 11 de Fevereiro de 1910 — uma sexta-feira chuvosa e fria em que, na capital do país, se trabalhava já com vigor a implantação da República que chegaria menos de oito meses volvidos. Não obstante um século passado sobre o seu desaparecimento, tempo longo em que tantas e tão profundas mudanças se registaram no Planeta, umas vezes para melhor, outras para pior, a verdade é que «os longos dias que têm cem anos» não foram capazes de apagar o nome de Elvira de Pontes Câmara Lopes da história e, muito especialmente, do coração dos povoenses.
O que só um enorme bem-querer é capaz de conseguir.


José Abílio Coelho


[1] Hoje Rua de Santo Ildefonso. Cf http://ruasdoporto.blogspot.com/2008/08/procisso-santo-antnio-que-se-fez-no.html [consulta em 11/07/2010]
[2] Arquivo Distrital do Porto – Livro de Assentos Baptismais da paróquia de Stº Ildefonso (ano de 1856, assento nº. 250).
[3] Numa memória de Pontes Câmara, em nossa posse, este refere expressamente ser D. Elvira «a única filha a cujo nascimento não assisti». Embora o não o diga claramente, Pontes Câmara estaria envolvido com uma senhora francesa (e note-se que são constantes, ao longo da sua vida as viagens à Europa e especialmente a França), pois indica que, a 13 de Novembro desse ano de 1856, nasceu em Paris, pelas «seis horas e quatro minutos da tarde, outra filha minha». Esta criança virá a ser também baptizada na igreja de Santo Ildefonso, na cidade do Porto, aos 28 dias do mês de Julho de 1859, com o nome de Emma Edouina Rita Emmuella, sendo padrinhos José Cardozo Pinto Montenegro e Dona Rita Acássia Lopes. A menina faleceu a 18 de Fevereiro de 1867.
[4] Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, livro de casamentos (nota AP 554), da freguesia de Santa Rita.

domingo, 17 de abril de 2011

Sá Coimbra (1919-2005) — Escritor

Armando da Silva e Sá Coimbra foi escritor e juíz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça. Nasceu no lugar de Quintela da freguesia de Taíde, Póvoa de Lanhoso, em 1919. Na sua aldeia natal completou o ensino primário, frequentando depois o seminário de Braga. Mas o seu caminho não seria o sacerdócio, pelo que deixou o seminário para, no Liceu da cidade onde concluir o ensino secundário. Dali seguiu para Lisboa, onde, na Faculdade de Direito, completou o curso de Direito. Seguiu a carreira de delegado do Ministério Público; posteriormente foi juiz de direito, atingindo o Supremo Tribunal de Justiça. Foi sócio da Associação de Escritores e da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e director da revista “Fronteira”, publicada após o 25 de Abril.
Armando Sá Coimbra faleceu no Porto em 24 de Agosto de 2005
Entre os livros por si publicados, destacam-se «O Sol e a Neve» (romance, 3 edições); «Teia» (romance, 2 edições); «Eva» (romance, 2 edições); «A Chancela» (romance); «O Relógio» (teatro); e «Até à Vista» (teatro).

José Abílio Coelho