terça-feira, 20 de março de 2012

Padre Domingos José da Costa Araújo (1881-1957) – Professor e poeta

Domingos José da Costa Araújo é oriundo da secular Casa da Sarola de Baixo, da freguesia de Verim (Póvoa de Lanhoso), onde nasceu a 10 de Outubro de 1851.
Frequentou os seminários de Braga, onde se ordenou sacerdote. Contudo, a sua vocação passava, não pela dedicação a uma paróquia, mas pela dádiva ao ensino, onde granjeou a admiração e a amizade de muitas das figuras culturais de proa do seu tempo, como Guerra Junqueiro ou D. Domingos Gonçalves, bispo da Guarda. “Matemático, poliglota e filólogo eminente, que discutia de igual para igual com as luminárias nacionais da linguística”[1], padre Domingos José da Costa Araújo  foi professor no Porto e em Vila Real, fixando-se posteriormente em Guimarães, onde ensinou durante décadas no Colégio de Nossa Senhora da Conceição, dirigido então pelo também sacerdote povoense José Carlos Simões Veloso de Almeida.
Ao longo da sua vida dedicada ao ensino, construiu uma enorme e importante biblioteca, que, depois de ter concluído a sua carreira como mestre, trouxe para Verim, e serviu não só para com ela entreter os últimos dez anos da sua vida, como para ajudar a preparar para carreiras de sucesso académico significativo conjunto de familiares da parte baixo do concelho da Póvoa de Lanhoso.
Poeta de significativos méritos, deu à estampa centenas de textos em muitos jornais da região, tendo, sob o pseudónimo “Gerezino”, mantido uma rubrica intitulado “No meu cantinho” no jornal Notícias de Guimarães. O semanário local a Póvoa de Lanhoso publicou também muitos dos seus poemas.
Padre Domingos José da Costa Araújo faleceu na mesma casa onde nascera, em Verim, a 15 de Dezembro de 1957.


[1] Oliveira, Jorge Eduardo da Costa, Nota Biográfica [de Alírio do Vale, pseudónimo do Dr. José Narciso da Fonseca Oliveira], in Vale, Alírio, “Dinis Arão”, Póvoa de Lanhoso, Editorial Ave Rara, 2000, pp. 13-30.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Amaro Pereira (n. 1931) – Dirigente associativo, presidente honorário do SC Maria da Fonte

Amaro da Fonseca Pereira nasceu no lugar da Calvos da freguesia de São Gens de Calvos (Póvoa de Lanhoso), a 3 de Dezembro de 1931, filho de José Maria Pereira e de Aurora da Conceição Fonseca.
Quando o rapazinho contava ainda poucos meses de idade, seus pais mudaram-se para a vila da Póvoa de Lanhoso, onde instalaram residência no lugar da Portela. Foi nesse bairro popular, de gente humilde mas trabalhadora, que Amaro Pereira cresceu. Frequentou a escola primária do Conde de Ferreira, sita à avenida da República, onde o professor Fernandes lhe ensinou as primeiras letras. Pelos 9 anos adoeceu de tifo, esteve internado no Hospital António Lopes e perdeu o ano. Quando regressou aos afazeres escolares, fê-lo já na nova escola António Lopes, construída no largo do mesmo nome e nesse mesmo ano estreada, concluindo ali a escolaridade básica.
Nos inícios da década de 1940, com o “mundo” envolvido na II Grande Guerra, Amaro Pereira teve, como todos os meninos do seu tempo, que aprender uma profissão. Seus pais eram pessoas humildes e a depressão causada pelo conflito mundial obrigava a que os jovens procurassem muito cedo aprender um caminho profissional que lhes garantisse o sustento, no imediato e no futuro. O jovem Amaro, a quem quase todos tratavam por “Mário”, ainda entrou de aprendiz na tipografia do semanário “Maria da Fonte”, mas esse não era o percurso desejado. Poucos meses depois, mudou a sua aprendizagem para uma oficina de serralharia, num tempo em que esta era uma arte maior. Tinha jeito para a profissão, dedicação para aprender, ser ferreiro parecia uma actividade talhada à medida para os seus propósitos. Depressa se tornou conhecedor dessa profissão com milénios de existência, e que em tempos recuados fez dos ferreiros dos mais respeitados profissionais existentes à face da terra. Da oficina para casa e de casa para a oficina se fez homem. Depois, foi à tropa, e ainda concorreu para ser funcionário da companhia dos telefones mas, como a colocação tardasse mais que o desejado, Amaro encarou a profissão de ferreiro como aquela que havia de lhe oferecer a possibilidade de ganhar o pão para a boca. E diga-se: estabelecido por sua conta e risco numa pequena oficina no lugar onde passara a juventude, foi um serralheiro com sucesso, senhor do martelo e da bigorna, profissional reconhecido, um artista de mérito. Chamava, ele próprio, a essa sua primeira pequena oficina “a minha chafarrica”, vindo-lhe daí a acunha de Mário “Chafarrica”, como por quase todos se tornou conhecido no seu concelho natal . Para além dos serviços tradicionais, como janelas, portas e grades para a construção civil, entrou muito jovem na fabricação de sachadores e semeadores para os serviços agrícolas. Nesse tempo – décadas de cinquenta e sessenta do século XX – a agricultura experimentava progressos significativos, e entre eles a vontade de se adaptar a novas máquinas; de lado iam ficando aos poucos os velhos artefactos de madeira para, em definitivo, se apropriar dos de ferro, mais duráveis e eficientes. Amaro Pereira, instalou-se numa oficina maior, contratou ajudantes, e começou a fabricar centenas de semeadores e sachadores em cada época agrícola, peças que ele próprio passou a distribuir por toda a região norte de Portugal, de Braga ao Porto, de Viseu a Coimbra.
Com a afirmação profissional e a sua honradez, foi conquistando simpatias. O seu nome passou a constar da lista dos grandes dirigentes associativos que a Póvoa de Lanhoso conheceu. No Sport Clube Maria Fonte, entrou como vogal da direcção em 1969, tendo entre 1971 e 1974, sido vice-presidente do mesmo órgão. Em 1975, voltou a ser vogal de uma comissão administrativa que se seguiu aos tempos mais quentes do pós “revolução”, sendo eleito, em 1975 e pela primeira vez, presidente da direcção do clube. Manteve-se neste cargo, com um pequeno intervalo em que a direcção foi presidida por Moniz Ferreira, até 1990. Foi durante as suas presidências que o clube mais se destacou desportivamente e foi ainda sob a sua administração que o SCMF aumentou significativamente o seu património, nomeadamente com a actual sede social na rua do Comandante Luiz Pinto da Silva. Pela sua dedicação e relevância enquanto dirigente, a assembleia geral fê-lo presidente honorário em 25 de Junho de 1990[1].
Em 1974, na sequência do “25 de Abril”, foi o primeiro presidente da Comissão Administrativa da Junta de Freguesia da Póvoa de Lanhoso. Foi uma passagem efémera, mas respeitada, pela política, onde, apesar do tempo conturbado que se vivia, só deixou amigos e boa impressão
Para além do longo e significativo trajecto como dirigente do SC Maria da Fonte, Amaro Pereira foi ainda vogal da direcção dos Bombeiros Voluntários entre 1975 e 1980, cargo para o qual, a seu pedido, não foi reeleito, dados os pedidos que na altura lhe foram insistentemente feitos para “que pegasse” as rédeas do clube desportivo, que vivia então gerido por uma comissão administrativa.

José Abílio Coelho


[1] Para um melhor conhecimento da vida associativa de Amaro da Fonseca Pereira, bem como para um completo conhecimento do Sport Clube Maria da Fonte, ver a obra de José Bento da Silva intitulada: Sport Clube Maria da Fonte. Uma história com amor, editado em 2001.

domingo, 4 de março de 2012

Gualdino da Silva Lopes (1889-1975) — Comerciante, vereador da câmara, mesário da misericórdia, dirigente associativo

Gualdino Lopes, ao centro, de fato cinza e gravata preta
Gualdino da Silva Lopes nasceu em Guimarães, em 1889. Após ter concluído ali a instrução primária, veio para a vila da Póvoa de Lanhoso, para empregado da casa comercial de Álvaro Ferreira Guimarães; casa que, durante muitas décadas foi uma escola para dezenas de empregados comerciais, que fizerem história no comércio concelhio e não só. Naquele estabelecimento - que durante várias décadas foi o mais importante da Póvoa de Lanhoso, sito na praça Municipal e dedicado à venda de fazendas e acessórios para roupas, chapéus, guarda-chuvas, tabacos, chás e café, livros e materiais de escritório e escolar, para além de ser, desde os finais do século XIX, representante local de vários bancos e companhias seguradoras - fez o jovem Gualdino a sua aprendizagem, passando todas as etapas, de marçano a oficial. As capacidades de trabalho demonstradas pelo jovem foram de tal ordem que Álvaro Ferreira Guimarães escolheu-o, quando ainda contava pouco mais de dezoito anos, como seu substituto nas ausências e outros impedimentos. A seriedade, a competência e a simpatia que irradiava de Gualdino Lopes levaram Ferreira Guimarães, que não teve descendentes, a dar-lhe sociedade no seu comércio, em Abril de 1921. À morte do fundador da casa, em 1944, Gualdino da Silva Lopes tornou-se herdeiro não só da empresa comercial como de vários outros bens do antigo presidente da câmara e administrador do concelho.
Para além de comerciante, Gualdino Lopes foi membro da câmara e dirigente associativo. Em 1925, foi um dos três signatários do requerimento que possibilitou a formação do grupo de futebol Maria da Fonte, tendo vindo, nos finais da década de 1930, a tornar-se presidente da sua direcção. Posteriormente foi presidente do conselho fiscal e da assembleia geral de sócios.
Em 1931, foi um dos fundadores da chamada Liga dos Interesses da Póvoa de Lanhoso. Em 1936, estando a corporação de Bombeiros quase desactivada, integrou a comissão administrativa que procedeu à sua reorganização e elaboração de novos estatutos[1]. Mais tarde, integrou a sua direcção. Da amizade com D. Anita Guimarães Lopes e seu marido Manuel Dílio Silva, resultou a abordagem que possibilitou que aquele casal, que era dono do Theatro Club, doasse esse edifício gratuitamente aos Bombeiros que, a partir dessa altura, deixaram de estar em casa emprestado para terem casa própria[2].
Foi destacada dirigente do Clube Povoense, cujos estatutos ajudou a legalizar na década de 1940. Nas décadas de 1940 e de 1950, foi por várias vezes vereador da câmara municipal e secretário da mesa da Misericórdia e Hospital António Lopes ao longo de vários mandatos, cargos que desempenhou sempre com grande elevação e seriedade.
Até que a vida começou a trocar-lhe as voltas. Utilizemos as palavras de A. Sousa e Silva do semanário “Jornal da Póvoa” de 7 de Maio de 1985. “Figura de corpo pequeno, mas de espírito e alma grandes”, “tinha como lema vale mais um bom nome que uma grande riqueza. E não há duvida que até ao último minuto da sua vida foi fiel a esse princípio. Todos sabem que foi senhor de uma apreciável fortuna, como sabem todos que morreu quase na miséria”. No seu texto subordinado ao tema Figuras da Póvoa, A. Sousa e Silva, que conheceu bem Gualdino Lopes, continua: “Mas é inegável que o seu nome honesto nunca foi manchado. Isto, porque preferiu perder todos os seus tostões, até ao último, pagando os seus compromissos, que valer-se, como tantos o fazem (alguns viajando engravatados em bons mercedes – de habilidades, infelizmente tão possíveis e até fáceis no país em que vivemos. Mas pior que tudo, ou antes revelador da incorrupta personalidade que possuía, Gualdino Lopes, terminou a sua vida de forma que não merecia, porque foi vítima crucificada de muitas gente sem escrúpulos, que aproveitando-se da sua boa fé e da incapacidade que ele próprio reconhecia, de não quere agir judicialmente contra ninguém. No entanto, em muitos casos, nem os motivos, nem as provas lhe faltavam. (…). Tinha também um carácter de bondade impróprio de comerciante pois era incapaz de negar um peça de vestuário a quem quer que dele se abeirasse a pedir fiado, mesmo que soubesse, à partida, que nunca mais veria o dinheiro dessa venda. Possuía um espírito jovial, sempre pronto a contar ou a participar numa alegre anedota. Um dia, em vésperas de Natal, assistimos a uma que nunca esqueceremos e que apesar de ser atrevida, não resistimos a contar. O Chinca levou lá uma encomenda e como estávamos em época natalícia, o bom do Gualdino, depois de mandar pagar o transporte, disse para o Chinca: Espera aí que te vou dar um charuto para fumares na noite de Natal. Foi ao seu escritório, trouxe uma caixa de charutos e deu-lhe dois. O Chinca veio para a rua todo satisfeito com a oferta e contou ao irmão – que na altura andava com ele na distribuição. O irmão do Chinca, foi logo pedir ao Gualdininho um charuto. Só que o Gualdininho estava bem disposto e resolveu pregar uma partida ao homem:
- Olha rapaz, aqui neste casa há horas para tudo. Quando o teu irmão cá veio, estava na hora de dar charutos. Agora está na hora de apanhar no… se queres aproveitar, entra ali para o escritório.
Claro que ir irmão do Chinca reagiu forte e feio, o que fez o bom do Gualdino e quem lá se encontrava rir a bom rir. Mas depois o homem, que saiu para a rua a praguejar, lá levou o seu charuto (…). Mas honra seja feita a Gualdino Lopes, pois, embora tendo morrido pobre, nunca traiu o lema da sua vida, já que perdendo toda a sua fortuna, sempre soube conservar o seu bom nome[3].
Gualdino da Silva Lopes faleceu em 15 de Maio de 1975, solteiro, aos 86 anos de idade. O semanário “Maria da Fonte” de 24 de mesmo mês e ano, escreveu: “Foi um homem honesto e trabalhador e teve certo destaque no nosso meio, mas depois a sua vida complicou-se e passou a viver humildemente”[4]. Morreu quase na miséria, depois de ter sido um homem rico. Apesar de tudo o que foi, apesar de ter tido o seu nome ligado às grandes causas da Póvoa de Lanhoso e do bem que fez a tantas pessoas e instituições, a sua memória caiu no esquecimento. Merecia que quem dele se aproveitou o relembrasse. E merecia que a Póvoa de Lanhoso desse o seu nome a uma das suas ruas. Era uma forma de os mais novos o recordarem e de, como escreveu A. Sousa e Silva, recordarmos todos a sua máxima: Mais vale um bom nome, que muita riqueza. A riqueza, perdeu-a. Mas garantiu o bom nome.

José Abílio Coelho


[1] Arquivo do Governo Civil de Braga, cx. 14, 5.1.1.1, correspondência recebida (1ª repartição), 1935-1936, s/paginação.
[2] A doação através de escritura notarial só foi feita na década de 1980, quando os Bombeiros quiseram vender o edifício à câmara, utilizando o dinheiro da venda como parte do investimento para a construção do novo quartel, sido na avenida da República.
[3] “Jornal da Póvoa”, nº 104 (2ª série), de 7 de Março de 1985.
[4] Cf. semanário “Maria da Fonte”, nº 2444 de 24 de Maio de 1975.