segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

EMÍLIO ANTÓNIO LOPES (1850-1920) - Primeiro Presidente dos Bombeiros da P. Lanhoso

EMÍLIO ANTÓNIO LOPES
Emílio António Lopes nasceu em São Gens de Calvos, concelho a Póvoa de Lanhoso, a 11 de julho de 1850. Era o terceiro filho do casal José Joaquim Lopes e Maria da Purificação Fernandes[1], sendo neto paterno de Miguel António Lopes e Silvéria Vieira, do lugar de Calvos, freguesia de Calvos, e materno de José Miguel Fernandes e Henriqueta Rosa, da casa da Oliveira de Cima, Fontarcada. Seus padrinhos foram o cirurgião e político local António Filipe Alves Vieira e a sua tia Emília Rosa Soares[2].
Emílio António criou-se na freguesia natal, onde aprendeu as primeiras e necessárias letras, mas, ainda jovem, partiu para o Brasil, como emigrante, fixando-se na cidade do Rio de Janeiro, onde seu irmão mais velho, António Ferreira Lopes, estava já há alguns anos instalado comercialmente com grande sucesso.
Emílio António, certamente apoiado pelo seu irmão, que lhe manifestou, até ao fim da vida, carinho e apoio de exceção, percorreu também a via dos negócios, tendo amealhado um pecúlio significativo. Ver inventário patrimonial no fim deste texto.
Na segunda metade da década de 1870 casou, na freguesia do Sacramento, no Rio de Janeiro, com a açoreana da Ilha Terceira Maria Augusta Moniz[3], com quem teve quatro filhos: Arlindo, Raúl, Elvira (“Vivi”) e Américo[4]. Mais tarde, já viúvo, casou com D. Flora Campos Lopes, com quem teve mais dois filhos, Armando e Óscar.
Após o seu regresso a Portugal e à Póvoa de Lanhoso, Emílio António viveu anos de destaque social. Seu irmão António, o homem mais rico e um dos mais respeitados do concelho, fruto sobretudo da sua faceta de benfeitor social, fez dele seu procurador, sendo por isso Emílio António quem acompanhava as muitas obras feitas por seu irmão António. Em nome desde, entregou dezenas de requerimentos para obras na câmara municipal, desde o da construção do edifício do Theatro Club a outros sobre as obras do Hospital que levou a nome do irmão.
Foi, em 1904-1905, o primeiro presidente da corporação de Bombeiros da Póvoa de Lanhoso e seu primeiro comandante. Embora as despesas com a criação do corpo de voluntários tenham sido cobertas por seu irmão, a Emílio António pertenceu o trabalho de campo. A banda de música da mesma corporação, fundada em 1904 e também ela patrocinada maioritariamente por António Ferreira Lopes, recebeu o maior apoio de Emílio António Lopes, que teve mesmo a honra de a ter recebido na sua Casa do Eirado, na Póvoa de Lanhoso, no dia de estreia. Por sua postura e disponibilidade, foi também juiz da irmandade de Nossa Senhora de Porto d’Ave entre 1906 e 1909, sucedendo no cargo a Albano Joaquim da Silva Coimbra e sendo sucedido por seu genro, João Albino de Carvalho Bastos.
Foi dos primeiros povoenses a possuir automóvel. Em 1912, o ribeiro Pontido saiu das margens tendo chegado à sua casa. A água entrou na garagem e estragou-lhe o automóvel que ali se encontrava.
Desde que regressou do Rio de Janeiro, aonde voltou acompanhado da sua filha Maria Elvira em 1899, tendo esta 19 anos de idade e estando ele com 48 anos e no estado de viúvo, Emílio António passou a dividir o seu tempo entre a Póvoa de Lanhoso e Lisboa, onde era hospede regular em casa de seu irmão António, especialmente depois da morte da esposa deste, D. Elvira Câmara Lopes, em fevereiro de 1910. Em agosto deste ano voltou ao Rio de Janeiro, acompanhando seu irmão mais velho que ali foi resolver problemas legais surgidos com a morte da esposa.
Ainda em 1910 fez Emílio António o seu testamento[5], no qual, depois de se invocar o auxílio de Deus para o momento da sua morte e afim de que a sua alma pudesse “gozar a eterna bem-aventurança”, declarou ter constituir os seus filhos do primeiro casamento (Raul, Elvira, Arlindo e Américo), como herdeiros das quotas legitimarias. Constituiu sua segunda esposa, D. Flora de Campos Lopes, e seu filho Armando (o único então nascido, vindo algum tempo depois a nascer Óscar), bem como a “quaesquer outros filhos que nascerem d’este meu segundo matrimonio” também seus herdeiros.  Legou, ainda, “em uso-fructo de metade do terço de todos os meus bens, haveres, direitos e acções que me ficarem ao meu fallecimento a minha esposa Flora Campos Lopes, e a raiz do mesmo meio terço a todos os meus filhos do primeiro e segundo matrimonio ou a seus legitimos representantes.  Que lego e deixo tambem em uso-fructo a outra metade do meu terço de todos os meus bens, haveres, direitos e acções que me ficarem a meu fallecimento a meu filho Armando se não houver mais filhos d’este meu segundo matrimonio ou estejam para nascer, porque então o uso-fructo d’este meu meio terço pertencerá em partes eguaes aos meus filhos do segundo matrimonio e a raiz a seus descendentes e quando algum morra sem os ter a sua parte será dividida entre todos os seus irmãos e meus filhos do primeiro e segundo matrimonio ou seus legitimos herdeiros.  Que se só existir meu filho Armando, do segundo matrimonio, da mesma forma a raiz do meu terço de que fica uso-fructuario passará a seus filhos e quando não os tenha a seus irmãos ou legitimos representantes.  Que se a minha esposa passar as segundas nupcias caducará logo o uso-fructo do meio terço que lhe lego, entrando todos os meus filhos logo a posse do mesmo em partes eguaes.  Que os meus herdeiros e uso-fructuarios do terço, satisfarão logo depois do meu fallecimento e do mesmo terço a quantia de cem mil reis a Nossa Senhora do Pilar da freguesia de Lanhoso.  Que os filhos do meu primeiro matrimonio têm a haver alem do que lhes pertencer ao meu fallecimento a sua legitima materna, que lhes pertenceu pelo fallecimento de sua mãe, cujo quantitativo consta do inventario orphanologico a que se precedeu neste Juizo por obito da mesma e correu seus termos no cartorio do egundo officio, que ainda não lhes satisfiz e nem por elles me foi exigido.  Para fiel cumprimento d’esta minha disposição nomeio meus testamenteiros em Portugal e pela sua ordem Flora de Campos Lopes, minha esposa, meu irmão Antonio Ferreira Lopes, e meu amigo José Gonçalves da Cruz e meu cunhado o bacharel João Campos Lima e no  Brasil tambem pela sua ordem, os meus amigos Barão de Oliveira Castro e Manoel Pinto da Silva e meu sobrinho Antonio Lopes Tinoco.  E assim d’esta forma dou por findo este meu testamento pelo qual revogo qualquer outro de data anterior que haja feito e declaro que vae por mim assignado e escripto por João Henrique Vasconcellos Rocha, contador d’este juizo, pessoa de minha confiança, que a meu pedido o escreveu e tambem assigna, nesta villa e comarca de Povoa de Lanhoso aos vinte e oito do mez de julho de mil e novecentos e dez”.
Os dez anos que decorreram entre a feitora do testamento e o fim da sua vida (1910-1920), foram de intenso trabalho e de muitos episódios de doença. Entre 1911 e 1914 foi o representante de seu irmão na condução das obras do hospital António Lopes. Em 1914, doente e já incapaz das canseiras que a obra acarretava, deixou o lugar que foi entregue a seu genro João Albino de Carvalho Bastos.
Faleceu na Póvoa de Lanhoso em 10 de agosto de 1920. Era cunhado do advogado e escritor João Campos Lima e de Emílio Campos Lima, do Porto. Deixou viúva Flora Campos Lima Lopes e dois filhos menores[6].


ESPÓLIO DE EMILIO ANTONIO LOPES

175  Acções da Companhia Petropolitana
100         do Banco do Brasil
100         da Companhia Progresso Industrial do Brasil
100  Debentures da Companhia Fiação e Tecidos Mageenae
100                                                          e Tecidos Manufactora Fluminense
100                                                                         Alliança
200 Consolidados nominativos 8% da Sociedade Propagadora de Belas Artes
1 Prédio (2 pavimentos) à rua de São Pedro, n.º 240
Em c/corrente na casa Castro, Silva & Cia: Rs. 48:891$750 – (Quarenta e oito contos oitocentos e noventa e um mil setecentos e cinquenta reis).

FILHOS:       
1º matrim.    Raul António Lopes, brasileiro, casado
                        Elvira Lopes Bastos, brasileira , casada c/ João Bastos
                        Arlindo António Lopes, brasileiro, casado c/ Maria Guimarães
                        Américo António Lopes, português, casado com América Lopes
      2º matrim.   Armando Campos Lopes, menor (17 anos) português,
                        Óscar Campos Lopes, menor (9 anos) português, solteiro





[1] Casamento dos pais, em 06.04.1846, na paróquia do Divino Salvador de Fontarcada, onde a noiva residia. Consta dos seguintes termos o assento de casamento: “Aos seis dias do mês de Abril do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e quarenta e oito, dados os Anunciamentos na forma de direito e constituição deste Arcebispado Primaz, em baixo assinado Pároco desta igreja do Salvador de Fontarcada, no concelho e julgado da Póvoa de Lanhoso, distrito e Arcebispado de Braga Primaz assisti ao matrimónio que entre si celebraram José Joaquim Lopes (…), filho legítimo de Miguel António Lopes e sua mulher Silvéria Vieira, naturais e assistentes na freguesia de São Gens de Calvos, deste concelho com Maria da Purificação, filha legítima de Miguel José Fernandes e sua mulher Henriqueta Rosa Soares, nascida na cidade do Porto, na freguesia de Santo Ildefonso, e vinda de dois anos para a casa da Oliveira de Cima, na companhia de seu pai, desta freguesia de Fontarcada, onde tem sido assistente e por não ter vinte e cinco anos completos seu pai lhe deu consentimento para este casamento e aqui assina como consente. Não receberam as bênçãos nupciais por ser tempo proibido [por ser quaresma] pela Santa Igreja. Foram mais testemunhas o pai do contraente e Custódio José Pereira, do lugar do Cruzeiro desta freguesia e outras pessoas que estavam presentes e para constar fiz este assento supra”. Assinaram o documento o vigário Narciso José Afonso Pereira, o mesmo que batizara António três anos antes, os pais dos noivos, José Miguel Fernandes e Miguel António Lopes, e a testemunha Custódio José Pereira. Grafia atualizada. Cf. ADB, Livros de assentos paroquiais de S. Salvador de Fontarcada, 1848, fl. 67.
[2] ADB, Livros de assentos paroquiais de S. Salvador de Fontarcada, 1850, fls. 23-23v.
[3] Filha de Manuel Borges Esconto de Muniz e Joanna Augusta Muniz.
[4] Os três filhos mais velhos nasceram no Rio de Janeiro, sendo Américo, o mais novo, o único a nascer já depois do regresso do casal a terras portuguesas. Américo nasceu, pois, na paróquia de Fontarcada, Póvoa de Lanhoso, em 7 de julho de 1889. ADB, Paroquiais de Fontarcada, 1883-1891, fl. 109.
[5] Arquivo de Marcos Barbieux Lopes, do Rio de Janeiro
[6] Jornal Maria da Fonte, nº 1304, 14 agosto de 1920, p. 2.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Pe. LUÍS MANUEL PEIXOTO FERNANDES (1949 - )

A narrativa que aqui pretendemos construir prejudicada quer pela falta de engenho do narrador quer pela exiguidade de espaço disponível no livro ao qual se destina, e cujas páginas, por mais que fossem, e não são, se tornariam sempre insuficientes para se falar da vida e obra deste Homem-Sacerdote que não se acomoda, antes reinventa caminhos a trilhar na procura do bem para aqueles a quem serve começou numa enorme veiga, situada entre o sopé dos montes de Gondiães e a margem esquerda do rio Ave, no lugar dos Condes da freguesia de Garfe, concelho da Póvoa de Lanhoso. Ali, entre vinhedos e campos de cultivo, junto à eira com coberto e canastro e à casa dos caseiros, situava-se a residência dos senhorios da chamada Quinta do Baptista, na qual, a 19 de outubro de 1949, nasceu a criança do sexo masculino a quem, após a cerimónia purificadora do pecado original, o pároco de então, reverendo Albertino Martins, inscreveu no livro de assentos de batismo com o nome próprio de Luís Manuel, ao qual foram acrescentados os apelidos familiares Peixoto Fernandes[1]. Luís Manuel era o primeiro de cinco filhos que o casal Maria Esmeralda Coimbra Oliveira Peixoto e Lino António Fernandes havia de trazer à vida[2].
Nascida na freguesia de Freitas, do concelho de Fafe, em dezembro de 1926, Maria Esmeralda, mãe do recém-nascido, era, por sua vez, filha dos agricultores Custódio Luís Oliveira Peixoto e de sua mulher Soledade Gomes Coimbra. Menina ainda, talvez porque os pais não dispusessem das necessárias condições para darem à criança o que para ela sonhavam, vista a difícil situação económico-financeira em que, naque-le tempo como quase sempre ao longo dos seus muitos séculos de história, Portugal se encontrava mergulhado, ou apenas por quererem, através da companhia da pequena, honrar a madrinha de batismo, que não tinha filhos, veio Maria Esmeralda habitar em Garfe. D. Esmeraldinha, diminutivo pelo qual era chamada Maria Esmeralda de Oliveira Peixoto, a tia paterna que a amadrinhara junto à pia batismal e de quem, como ao tempo era usual, os pais colherem o nome a dar à menina, havia casado para esta freguesia com José Baptista da Silva. O apego à mocinha pela doçura com que esta sempre a tratou, especialmente depois de ter enviuvado aos 46 anos de idade[3], os laços que da estreita e longa convivência nasceram e se foram aprofundando a cada dia volvido, levou a que a madrinha fizesse dela não apenas a sua confidente e amiga como, à hora da morte, a sua herdeira universal.
Lino António, o pai de Luís Manuel, era natural de Garfe. Ali havia nascido em outubro do mesmo ano de 1926, filho de Manuel Joaquim Fernandes e de sua mulher Antónia Alexandrina Rodrigues de Barros, abastados proprietários agrícolas e pessoas de elevado destaque na aldeia, como, nesse tempo em que as terras eram devidamente exploradas e delas brotava o “sagrado pão para a boca”, nas nossas freguesias eram queridos todos os lavradores honrados. Entre outras propriedades pertencia-lhes a importante Quinta de Jacob, que do antepassado-fundador Jacob Ferreira colhera nome pelos finais do século XVIII[4].
Vizinhos desde crianças, já que os campos de ambas as famílias se irmanavam na longa veiga que ligava as faldas de Gondiães às margens do Ave, Maria Esmeralda e Lino António viriam a tornar-se noivos. Consorciaram-se, em cerimónia realizada na igreja paroquial de Garfe a 28 de outubro de 1948, tendo, desse casamento, frutificado, quase um ano volvido, o menino Luís Manuel.
Na freguesia de Garfe, entre os lugares das Eiras e dos Condes, onde se situavam as referidas quintas cujas moradas dos proprietários se encontravam separadas por escassas centenas de metros, fez a criança as suas iniciais aprendizagens. Por ali deu os primeiros passos e pronunciou as primeiras palavras, por ali foi conhecendo os nomes das coisas, por ali se foi encontrando, a cada dia passado, com a beleza natural do recanto minhoto onde lhe fora dado nascer a freguesia de Garfe marcada por memórias milenares na qual, de tempos muito recuados, sobejaram vestígios de outros povos expressos, por exemplo, no célebre santuário rupestre a que na terra sempre chamaram “Pias dos Mouros” ou nos restos de uma necrópole do período romano onde, na década de 1960, foram desenterrados um conjunto de vasos cerâmicos que hoje integram o património municipal. Refira-se ainda a existência de frutíferas terras de cultivo que, sob a designação de Villa Garfi, o Conde D. Henrique (1066-1112) doou ao mosteiro beneditino de Fontarcada. Ou a primeira referência escrita à paróquia de Sancto Cosmato de Garfi, que data de 1220[5].
Garfe foi, para o pequeno Luís, o chão dos primeiros se-gredos, dos saberes que se aprendem no terno colo da mãe ou sobre os joelhos cansados do pai, regressado de mais um dia de árduo trabalho. E, quando, pelos sete anos de idade, a inadiável necessidade de aprender as primeiras letras e números de forma sistemática se fez sentir, rumou à escola da freguesia, instalada num edifício próximo à igreja da paróquia o rés-do-chão do prédio onde hoje se situa a residência paroquial e que, à época, era edifício escolar municipal. Foram seus mestres na instrução primária pessoas que ainda hoje recorda com saudade: os professores Serafim, Maria Alice, Celeste, Teresa e Maria José Matos.
Para além de familiares e professores, também o padre Manuel da Cunha, que em agosto de 1956 havia substituído o reverendo Albertino Martins como pároco de Garfe, e lhe ministrava a catequese, teve sobre a criança enorme influência. Homem cultíssimo e de palavra gentil, o padre Manuel da Cunha transformou-se, para o jovem Luís Manuel, numa figura admirável. Foi através do pároco que certo das qualidades do menino para seguir a vida religiosa e depois de falar com os progenitores Luís Manuel rumou aos seminários de Braga. Ali entrou como aluno em outubro de 1960, às portas de completar 11 anos.
Estudante empenhado, o percurso, de treze anos, de Luís Manuel nos seminários da arquidiocese foi ultrapassado com natural regularidade. Em junho de 1973 concluiu o curso de Teologia e, em outubro desse mesmo ano, foi colocado, como professor, no Seminário de Nossa Senhora da Conceição dito Seminário Menor sito à rua de S. Domingos.
A ordenação viria a ocorrer na Sé Primacial de Braga, a 13 de junho de 1974[6], dia de Santo António, durante a realização, na Roma portuguesa, de um congresso eucarístico.
Luís Manuel Peixoto Fernandes recebeu o sacramento da Ordem do arcebispo bracarense D. Francisco Maria da Silva, tendo a sua Missa Nova ocorrido na igreja paroquial da aldeia natal a 28 de julho desse mesmo ano. Ao seu lado nesta cerimónia, para além dos pais, dos irmãos, e de outros familiares e amigos, encontrava-se, como concelebrante, o seu velho pároco e amigo, reverendo Manuel da Cunha. A Missa Nova do padre Luís foi, aliás um dia de festa não apenas para os mais próximos, mas para toda a freguesia. “Muitas pessoas amigas do novo presbítero assistiram à missa nova, na igreja paroquial daquela freguesia, estando ornamentado o trajecto que vai da casa dos pais do novo sacerdote à igreja”, lê-se numa notícia então dada a público no semanário Maria da Fonte. “Depois do acto solene, os convidados, à volta de duzentos, seguiram para a residência dos pais do padre Luís”, onde, “ao ar livre, foi servido um lauto almoço, que decorreu em ambiente de satisfação, tendo aos brindes, usado da palavra alguns dos presentes, que não deixaram de enaltecer as invulgares qualidades morais e espirituais do neo-sacerdote que, comovido, agradeceu”[7].
Nos dois anos que se seguiram, o padre Luís manteve a função de professor no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, até que, em julho de 1976, foi pela primeira vez empossado como pároco. Couberam-lhe, por morte do titular das mesmas, as paróquias de Penselo e Gominhães, do arciprestado de Guimarães, onde se manteve durante sete anos. Ali desenvolveu importante trabalho pastoral, tendo fundado, para além do agrupamento de escuteiros, o Centro Social e Paroquial de Penselo, com as valência de creche, jardim de infância e ATL. Importantes obras de restauro foram empreendidas nas igrejas e em capelas de ambas as paróquias.
Em 5 de fevereiro de 1984 seria colocado na paróquia povoense de Taíde, em substituição do seu velho amigo padre José de Castro Torres que, pouco tempo antes, amargurado pelo peso da idade e não querendo tornar-se um peso para os seus paroquianos, tinha decidido ausentar-se. Como pároco de Taíde, coube ao padre Luís ocupar também o cargo de reitor do santuário de Nossa Senhora de Porto d’Ave, uma das relíquias sacras do concelho, tendo aí fundado um jornal que se publicava mensalmente: o Ecos da Senhora do Porto, órgão divulgador da vida religiosa e socioeconómica da freguesia.
Para além de muitas outras melhorias, conseguiu os apoios financeiros necessários para um importante restauro no edifício e a recuperação de um dos órgãos de tubos da belíssima igreja de Nossa Senhora de Porto d’Ave, que haviam sofrido dano por maldade de militares franceses aquando da passagem por esta região dos exércitos napoleónicos[8].
Durante a estada como pároco de Taíde, que terminou em 30 de setembro de 1989, foi-lhe ainda entregue, como anexa, a paróquia de Arosa (arciprestado de Guimarães). 
Esporadicamente, e apenas enquanto estas se encontravam sem titulares, paroquiou também Fontarcada (05.02.1989 a 04.03.1989) e Garfe (18.02.1989 a 07.10.1989).
Cumprida a sua missão em Taíde, e nas anexas referidas, em outubro de 1989 voltou o padre Luís a Penselo e a Gominhães, onde deu continuidade à importante obra pastoral iniciada anos antes.
Em finais do verão de 1993, recebeu do seu arcebispo, D. Eurico Dias Nogueira, autorização para cumprir um ano sabático (11.10.1993 a 01.06.1994), tendo, nesse período, estudado na Pontifícia Universidade de Salamanca, em Espanha, de onde regressou para assumir, a 6 de agosto de 1994, a condução da paróquia de S. Torcato, tal como as anteriores pertencente ao arciprestado vimaranense.
Entretanto, em 9 de abril de 1989, tinha falecido em Garfe o seu antigo pároco e amigo, reverendo padre Manuel da Cunha[9]. Substituído, ainda que por períodos curtos ou em regime de anexação por outros sacerdotes do arciprestado povoense, que a curaram durante mais de cinco anos, desde logo D. Eurico Dias Nogueira quis ligar o padre Luís à sua paróquia natal, tendo-o encarregado, por exemplo, das obras de restauro e ampliação da multisecular capela de São Roque.
Até que, no dia 5 de fevereiro de 1995[10], foi o padre Luís empossado como pároco da freguesia onde nasceu, à frente de cujos destinos se encontra, pois, há exatas duas décadas.
Em Garfe, para além da condução espiritual da paróquia, desenvolveu o padre Luís um vasto e profícuo trabalho, procedendo à criação de estruturas que a freguesia não possuía até à sua chegada. Destacam-se, pela sua importância, a fundação do agrupamento de escuteiros[11] e da sua fanfarra, a do rancho folclórico de Garfe e a do Centro Social e Paroquial, com valências como o centro de noite (à época da fundação um projeto piloto a nível nacional), apoio domiciliário a idosos e ATL – atividades nos tempos livres, para crianças. Sobre a importância deste trabalho paroquial e cívico do nosso biografado escreverá, noutro local deste pequeno livro, a professora Laurinda Mendes, pessoa que sempre colaborou na vida da comunidade e que, melhor que nós, pode deixar esse testemunho. Acrescente-se a isto a construção de duas novas capelas, no alto de Gondiães, uma delas em substituição de outra que ali existiram no distante século XVIII.
Realce-se ainda a iniciativa “Garfe, Aldeia dos Presépios”, consubstanciada na construção de presépios em locais públicos nos vários lugares da freguesia e que, nos últimos treze anos, para além da sua simbologia religiosa, tem, pela beleza do conjunto, projetado Garfe por todo o mundo, através da cobertura noticiosa da iniciativa por jornais e estações de televisão. A criação e direção de um jornal mensal, pequeno periódico cujo primeiro número surgiu logo no mês da sua chegada à freguesia e que, ininterruptamente, se publica ainda, bem como a edição, em dezembro de 2011, de um livro intitulado Capelas de Garfe. As Antigas e as Modernas, designação que sintetiza o interessante conteúdo da obra para os apaixonados pela história, são, do mesmo modo, marcos da dedicação do padre Luís à terra onde nasceu e onde é pároco desde há vinte anos a esta parte.
Refira-se, contudo, que apesar da sua dedicação à paróquia de Garfe, uma das maiores do arciprestado da Póvoa de Lanhoso, com mais de um milhar de habitantes, é também responsável pelas paróquias de Arosa (desde 10.09.1995) e de Castelões (desde 15.09.2002).
Em paralelo com a missão paroquial, exerceu o padre Luís a atividade de professor de Moral Religiosa Católica na escola Francisco de Holanda, em Guimarães, onde se manteve durante cerca de três décadas, tendo, posteriormente, a seu pedido, sido transferido para o concelho da Póvoa de Lanhoso, aí lecionando dois anos na Escola Secundária e outros dois na Escola Professor Gonçalo Sampaio. Encontra-se atualmente aposentado do ensino.
Para além da atividade letiva e paroquial tem dedicado parte do tempo que ainda lhe resta à causa associativa. Cumpre atualmente o seu terceiro mandato como presidente da direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso depois de, antes deste cargo, ter integrado outras direções. No total, soma mais de três lustros de apego a esta causa humanitária, para além de a ter servido também como capelão do corpo ativo. Do mesmo modo, integrou os órgãos da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso durante cerca de uma década, como mesário e, posteriormente, durante um mandato de três anos como presidente da mesa da assembleia geral de irmãos.
Em 13 de junho de 1999 comemorou, já como pároco de Garfe, as suas bodas de prata sacerdotais, numa festa que juntou centenas de paroquianos, familiares e amigos.
Sendo minguado o tempo e o espaço disponíveis para alargar mais esta nota biográfica do padre Luís a quem, devo confessá-lo, dedico grande admiração e amizade, vou terminar, transcrevendo aqui, em jeito de conclusão, parte de uma reflexão que sobre ele anotei aquando dessa comemoração, e que foi integralmente dada a público, num desdobrável então impresso: “Um homem não se avalia pelo que tem de seu, mas pelo que constrói ao longo da vida. Assim no-lo ensinam as Escrituras Sagradas na célebre parábola dos Talentos; assim a devemos praticar nós, às vezes tão rendidos às vaidades de quem quer mostrar-se, sem nada ter feito de válido em favor do próximo, na efémera passagem por esta vida. O padre Luís é um desses homens raros que faz da solidariedade trilho, pelo qual caminha diaria- mente em favor dos mais desprotegidos e necessitados.
Mas nada sossega o seu espírito inquieto, e os seus objetivos, a sua entrega, o seu querer vão muito para além daquilo que já está construído.
Que Deus lhe dê a coragem e os homens não lhe neguem a ajuda, necessárias ambas para que consiga cumprir todos os seus sonhos, que, em boa verdade, são também os sonhos da população da freguesia de Garfe”.
Longa vida, padre Luís.

José Abílio Coelho
In "Padre Luís Peixoto Fernandes: o Homem, o Sacerdote"
2018



1 Cf. Arquivo Paroquial de Garfe (doravante APG), Livro de assentos de batismo, 1945-1950, fl. 114v.

2 José Manuel, Lino Manuel, Jordão Carlos e Maria Graça Peixoto Fernandes são os restantes filhos do casal.



3 José Baptista da Silva, marido de Maria Esmeralda Oliveira Peixoto faleceu em Garfe, de onde era natural, em 5 de abril de 1939. Cf. APG, Livro de óbitos, 1935-1942, fl. 17v.


4 O fundador da Quinta de Jacob terá sido Jacob Ferreira Antunes, nascido no lugar da Quintã, Garfe, a 17 de maio de 1745. Era filho legítimo de Francisco Antunes e de sua mulher Micaela Ferreira. Recebeu o nome próprio de seu padrinho, Jacob Ferreira, residente na freguesia de São Sebastião, do concelho de Guimarães. Cf. ADB, Livro de assentos de batismo, 1740-1766, fl. 15v. A designação da propriedade tornou-se tão forte que acabaria por se sobrepor ao próprio apelido familiar, sendo a maioria dos seus membros conhecidos como os “de Jacob”.

 
[5Para um melhor conhecimento da freguesia de Garfe pode ler-se Coelho, José Abílio; Fernandes, Carlos Filipe, São Cosme e São Damião de Garfe. Apontamentos para a sua história, Garfe, Junta de Freguesia de Garfe, 1995.

[6] Cf. http://www.diocese-braga.pt/clero/presbitero/154.

[7] Cf. Jornal Maria da Fonte,  nº 2405, de 3 de agosto de 1974, p. 2.


[8] Segundo Paixão Bastos os órgãos da igreja de Nossa Senhora de Porto d’Ave foram, no dia 20 de março de 1809, “despedaçados pelas tropas de Napoleão”, tendo posteriormente sido consertados. Cf. Bastos, Paixão, No coração do Minho (A Póvoa de Lanhoso Histórica e Ilustrada), Braga, Imprensa Henriquina a Vapor, 1907, p. 70. Sabe-se, contudo, que ficaram “em parte defeituosos”, por lhe faltar uma peça decorativa que os franceses levaram ou destruíram, encontrando-se, em 1875, a funcionar, mas muito desafinados. Cf. Lemos, F. J. de Oliveira, Livro do Romeiro ao Sumptuoso Sancturio da Senhora do Porto D’Ave, s.l., s.e., 1845, pp. 32-33.


[9] Nascido em Vinhós, concelho de Fafe, em 7 de outubro de 1921, e ordenado sacerdote em 8 de julho de 1945, o padre Manuel da Cunha, depois de ter paroquiado Rebordões e Fojo Lobal, no arciprestado de Ponte de Lima, foi colocado em Garfe a 7 de agosto de 1956. Faleceu a 9 de abril de 1989. Cf. Coelho, José Abílio; Fernandes, Carlos Filipe, São Cosme e São Damião de Garfe. Apontamentos para a sua história..., pp. 58-59.

[10] Entre 3 de junho e 9 de setembro de 1995, por morte do pároco que então titulava aquela paróquia, conduziu os destinos de S. Martinho do Campo, arciprestado da Póvoa de Lanhoso.

[11] O padre Luís promoveu, ao longo da sua vida sacerdotal, a fundação de cinco agrupamentos de escuteiros. Para além do de Garfe, apadrinhou o nascimento dos agrupamentos de Taíde, Penselo, Gominhães e Arosa.