domingo, 4 de março de 2012

Gualdino da Silva Lopes (1889-1975) — Comerciante, vereador da câmara, mesário da misericórdia, dirigente associativo

Gualdino Lopes, ao centro, de fato cinza e gravata preta
Gualdino da Silva Lopes nasceu em Guimarães, em 1889. Após ter concluído ali a instrução primária, veio para a vila da Póvoa de Lanhoso, para empregado da casa comercial de Álvaro Ferreira Guimarães; casa que, durante muitas décadas foi uma escola para dezenas de empregados comerciais, que fizerem história no comércio concelhio e não só. Naquele estabelecimento - que durante várias décadas foi o mais importante da Póvoa de Lanhoso, sito na praça Municipal e dedicado à venda de fazendas e acessórios para roupas, chapéus, guarda-chuvas, tabacos, chás e café, livros e materiais de escritório e escolar, para além de ser, desde os finais do século XIX, representante local de vários bancos e companhias seguradoras - fez o jovem Gualdino a sua aprendizagem, passando todas as etapas, de marçano a oficial. As capacidades de trabalho demonstradas pelo jovem foram de tal ordem que Álvaro Ferreira Guimarães escolheu-o, quando ainda contava pouco mais de dezoito anos, como seu substituto nas ausências e outros impedimentos. A seriedade, a competência e a simpatia que irradiava de Gualdino Lopes levaram Ferreira Guimarães, que não teve descendentes, a dar-lhe sociedade no seu comércio, em Abril de 1921. À morte do fundador da casa, em 1944, Gualdino da Silva Lopes tornou-se herdeiro não só da empresa comercial como de vários outros bens do antigo presidente da câmara e administrador do concelho.
Para além de comerciante, Gualdino Lopes foi membro da câmara e dirigente associativo. Em 1925, foi um dos três signatários do requerimento que possibilitou a formação do grupo de futebol Maria da Fonte, tendo vindo, nos finais da década de 1930, a tornar-se presidente da sua direcção. Posteriormente foi presidente do conselho fiscal e da assembleia geral de sócios.
Em 1931, foi um dos fundadores da chamada Liga dos Interesses da Póvoa de Lanhoso. Em 1936, estando a corporação de Bombeiros quase desactivada, integrou a comissão administrativa que procedeu à sua reorganização e elaboração de novos estatutos[1]. Mais tarde, integrou a sua direcção. Da amizade com D. Anita Guimarães Lopes e seu marido Manuel Dílio Silva, resultou a abordagem que possibilitou que aquele casal, que era dono do Theatro Club, doasse esse edifício gratuitamente aos Bombeiros que, a partir dessa altura, deixaram de estar em casa emprestado para terem casa própria[2].
Foi destacada dirigente do Clube Povoense, cujos estatutos ajudou a legalizar na década de 1940. Nas décadas de 1940 e de 1950, foi por várias vezes vereador da câmara municipal e secretário da mesa da Misericórdia e Hospital António Lopes ao longo de vários mandatos, cargos que desempenhou sempre com grande elevação e seriedade.
Até que a vida começou a trocar-lhe as voltas. Utilizemos as palavras de A. Sousa e Silva do semanário “Jornal da Póvoa” de 7 de Maio de 1985. “Figura de corpo pequeno, mas de espírito e alma grandes”, “tinha como lema vale mais um bom nome que uma grande riqueza. E não há duvida que até ao último minuto da sua vida foi fiel a esse princípio. Todos sabem que foi senhor de uma apreciável fortuna, como sabem todos que morreu quase na miséria”. No seu texto subordinado ao tema Figuras da Póvoa, A. Sousa e Silva, que conheceu bem Gualdino Lopes, continua: “Mas é inegável que o seu nome honesto nunca foi manchado. Isto, porque preferiu perder todos os seus tostões, até ao último, pagando os seus compromissos, que valer-se, como tantos o fazem (alguns viajando engravatados em bons mercedes – de habilidades, infelizmente tão possíveis e até fáceis no país em que vivemos. Mas pior que tudo, ou antes revelador da incorrupta personalidade que possuía, Gualdino Lopes, terminou a sua vida de forma que não merecia, porque foi vítima crucificada de muitas gente sem escrúpulos, que aproveitando-se da sua boa fé e da incapacidade que ele próprio reconhecia, de não quere agir judicialmente contra ninguém. No entanto, em muitos casos, nem os motivos, nem as provas lhe faltavam. (…). Tinha também um carácter de bondade impróprio de comerciante pois era incapaz de negar um peça de vestuário a quem quer que dele se abeirasse a pedir fiado, mesmo que soubesse, à partida, que nunca mais veria o dinheiro dessa venda. Possuía um espírito jovial, sempre pronto a contar ou a participar numa alegre anedota. Um dia, em vésperas de Natal, assistimos a uma que nunca esqueceremos e que apesar de ser atrevida, não resistimos a contar. O Chinca levou lá uma encomenda e como estávamos em época natalícia, o bom do Gualdino, depois de mandar pagar o transporte, disse para o Chinca: Espera aí que te vou dar um charuto para fumares na noite de Natal. Foi ao seu escritório, trouxe uma caixa de charutos e deu-lhe dois. O Chinca veio para a rua todo satisfeito com a oferta e contou ao irmão – que na altura andava com ele na distribuição. O irmão do Chinca, foi logo pedir ao Gualdininho um charuto. Só que o Gualdininho estava bem disposto e resolveu pregar uma partida ao homem:
- Olha rapaz, aqui neste casa há horas para tudo. Quando o teu irmão cá veio, estava na hora de dar charutos. Agora está na hora de apanhar no… se queres aproveitar, entra ali para o escritório.
Claro que ir irmão do Chinca reagiu forte e feio, o que fez o bom do Gualdino e quem lá se encontrava rir a bom rir. Mas depois o homem, que saiu para a rua a praguejar, lá levou o seu charuto (…). Mas honra seja feita a Gualdino Lopes, pois, embora tendo morrido pobre, nunca traiu o lema da sua vida, já que perdendo toda a sua fortuna, sempre soube conservar o seu bom nome[3].
Gualdino da Silva Lopes faleceu em 15 de Maio de 1975, solteiro, aos 86 anos de idade. O semanário “Maria da Fonte” de 24 de mesmo mês e ano, escreveu: “Foi um homem honesto e trabalhador e teve certo destaque no nosso meio, mas depois a sua vida complicou-se e passou a viver humildemente”[4]. Morreu quase na miséria, depois de ter sido um homem rico. Apesar de tudo o que foi, apesar de ter tido o seu nome ligado às grandes causas da Póvoa de Lanhoso e do bem que fez a tantas pessoas e instituições, a sua memória caiu no esquecimento. Merecia que quem dele se aproveitou o relembrasse. E merecia que a Póvoa de Lanhoso desse o seu nome a uma das suas ruas. Era uma forma de os mais novos o recordarem e de, como escreveu A. Sousa e Silva, recordarmos todos a sua máxima: Mais vale um bom nome, que muita riqueza. A riqueza, perdeu-a. Mas garantiu o bom nome.

José Abílio Coelho


[1] Arquivo do Governo Civil de Braga, cx. 14, 5.1.1.1, correspondência recebida (1ª repartição), 1935-1936, s/paginação.
[2] A doação através de escritura notarial só foi feita na década de 1980, quando os Bombeiros quiseram vender o edifício à câmara, utilizando o dinheiro da venda como parte do investimento para a construção do novo quartel, sido na avenida da República.
[3] “Jornal da Póvoa”, nº 104 (2ª série), de 7 de Março de 1985.
[4] Cf. semanário “Maria da Fonte”, nº 2444 de 24 de Maio de 1975.