O estudante Elísio de Vasconcelos |
Elísio
de Sousa Vasconcelos é hoje um ilustre desconhecido da maioria dos povoenses.
No entanto, a sua presença na freguesia de Monsul fez-se sentir durante muitos
anos, ali tendo passado a sua juventude na companhia da família. Era irmão de
um médico que fez história na freguesia, José Emílio de Sousa Vasconcelos, de
todos conhecido como Dr. Juca, clínico conceituado e admirado jogador de
futebol da equipa do Sport Club Maria da Fonte nos finais da década de 1920 e
nos inícios da seguinte. Outro dos seus irmãos chamou-se Carlos de Sousa
Vasconcelos. Carlos regressou ao Brasil, onde, em 1932, era estudante de
medicina na Universidade de Belém do Pará[1].
Elísio
de Vasconcelos nasceu eno dia 5 de novembro de 1907 no município de Cametá,
estado do Pará, (Brasil), onde seus pais se encontravam emigrados[2].
Quando a crianças tinha nove anos de idade, seus pais decidiram regressar a
Portugal, fixando-se em Monsul onde possuíam propriedades. Elísio frequentou o
ensino básico nesta freguesia, numa casa alugada pela câmara para escola e
situada muito próxima do lugar onde habitava. Ali fez a maior das suas
amizades, que havia de o acompanhar por muitos anos, com António Baptista
Lopes, a quem viria a dedicar um dos seus livros[3].
Concluída
em Monsul a instrução primária os pais mandaram-no estudar no Colégio de
Guimarães, onde era director o professor Manuel Pedrosa, residente na Casa do
Ribeiro de São João de Rei[4].
Mais tarde, deslocou-se para o Porto, tendo concluído a preparação para ingressar
no superior no colégio João de Deus. O seu trajecto académico viria a
concluí-lo na Faculdade de Farmácia da mesma cidade, onde se licenciou como
farmacêutico-químico.
Concluído
o curso, voltou a Monsul onde, ainda solteiro residia em 1933[5].
Mas
a vida na aldeia não o satisfazia completamente. Em 1934 voltou ao Porto, onde fixou
residência e passou a exercer como químico-analista num laboratório ligado à
indústria farmacêutica. Contudo, Elísio de Vasconcelos foi mais um desses
homens que, tendo estudado ciências, maior apetência demonstrava para Letras.
Casou,
ainda na cidade invicta, com D. Maria da Glória de Moura Direito de Vasconcelos,
passando a residir, primeiro, na rua de Antero de Quental[6],
mudando-se meses depois para a Rua do Bonjardim[7].
O casal não teve filhos.
Após
o casamento, o Dr. Elísio de Vasconcelos deixou a sua actividade como químico
para se dedicar à docência, tornando-se professor no Colégio João de Deus onde havia
sido estudante. Seria, aliás, por iniciativa dos seus alunos neste colégio, que
viria à luz o seu primeiro livro, intitulado “A saltar uma fogueira” (Porto,
Edições Inicial, 1945), e no qual o poeta publicou um conjunto de sessenta e
duas quadras “sanjoaninas”. Tendo então trinta anos, a sua veia poética não
parava de jorrar. Iniciou colaboração em vários periódicos, entre os quais o
semanário povoense “A Maria da Fonte”. E, ainda em 1945, veio a público o seu
segundo livro, “Poliedro. Sonetos e outras poesias” (Porto, Livraria
Portugália, 1945), seguindo-se-lhe “A ternura que me deste” (Porto, Livraria
Figueirinhas, 1946).
A
crítica acolheu muito generosamente os três pequenos volumes de poesia de
Elísio de Vasconcelos, que mereceram referências elogiosas nos maiores diários
nacionais, de A Tarde ao Primeiro de Janeiro, ao Comércio do Porto, a O Século ou ao Diário da Manhã. A revista O
Inicial, órgão literário e artístico do Colégio João de Deus, publicou em
Dezembro de 1945 uma extensa matéria sobre “A ternura que me deste” de onde
extraímos um trecho: “Elísio de Vasconcelos é um poeta. Acentuamos. Repetimos.
Poeta no sentido integral e quase maravilhoso do vocábulo. Eis a agradável
convicção que a leitura desde livro nos dá […]. Como artista, Elísio de
Vasconcelos é escravo de si mesmo. Isto é, da caudalosa fluência do sentimento
lírico, que nele tudo inunda, subverte e vence. A onda da poesia transborda
incessantemente do seu peito. Alastra em impulsos irreprimíveis. Vibra em estos
viris. E na sua humildade adorável reflecte assim qualquer coisa de grandioso e
olímpico”[8].
Há,
porém, quem diga que mais cedo ou mais tarde a alma do homem procura sempre as
suas raízes. Acreditamos que foi na saudade desse pedaço de chão natal, alimentada
por naturais desencantos e por questões da sua própria vida íntima, que o poeta
monsulense encontrou vontade de partir. E, assim, nos finais da década de 1940,
Elísio de Sousa Vasconcelos decidiu deixar a docência no Colégio João de Deus
para regressar ao Brasil, onde nascera.
Ali
chegado instalou-se na cidade natal onde, na Universidade Estadual do Maranhão,
passou a leccionar Farmácia e Língua Portuguesa, atingindo, poucos anos depois,
a cátedra. Desempenhou também funções oficiais, chegando a ocupar o alto cargo
de secretário do governo maranhense[9].
Inconstante
como quase todos os poetas, em 1960 voltou a mudar de cidade, fixando-se desta
vez no Rio de Janeiro onde foi contratado para ensinar em dois dos mais prestigiados
colégios da cidade: o D. Pedro II e o Estadual Sousa Aguiar. Tornou-se redactor
especial do jornal “A Voz de Portugal” e, mais tarde, de “o Mundo Português”[10].
Em
finais de 1963 regressou a Portugal, numa viagem de saudade. Estanciando em
Monsul, ali permanece por longos meses, aproveitando para viajar pelo norte de
Portugal. Regressou à cidade maravilhosa
em meados de 1963, mantendo as actividades de professor e jornalista[11].
Mas
não o seria já por muito tempo: a morte surpreendeu-o aos 50 anos de idade, no
Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro onde se fizera internar
pouco tempo antes. O seu corpo ficou inumado num dos cemitérios daquela cidade[12].
A
nós, de algum modo seus contarrâneos, não nos ficou mais que os seus três
livros de poesia e uns quantos textos que deixou espalhados pela imprensa: sinal
de que, se as palavras se perdem no oco do tempo, as letras grafadas são
imorredouras. Como esse poema a que chamou
“O Tempo
Curvada sobre si
nossa alma sente
Que o passado
tão pouco nos parece –
Nas horas que
fugiram de repente
E a distância
num sonho desvanece.
O tempo só é
longo, se apetece
Um dia, no
futuro, ansiosamente…
Mas quando então
ridente ele amanhece,
Logo foge,
partindo velozmente!...
Se nos trouxe,
porém, contentamento,
É pena não parar
nesse momento
Que se desfaz em
nuvem de saudade.
Mas passa breve
a vida, num lamento…
Efémero e
incompleto pensamento…
- Um sopro em
relação à eternidade!...”[13]
__________________
José Abílio Coelho
[1] Maria da Fonte de 14 de Agosto de 1932, p. 3. Elísio de
Vasconcelos era sobrinho de outro proprietário de Monsul, Eugénio Pereira de
Vasconcelos, falecido
naquela freguesia, aos 43 anos de idade, em Agosto de 1932.
[2] Cf. blogue Falando de Trova, in http://falandodetrova.com.br/elisio
[acesso em 04.01.2014].
[3] Cf. dedicatória
do livro Poliedro, in Vasconcelos,
Elísio, Poliedro. Sonetos e outras
poesias, Porto, Livraria Portugália, 1946, página não numerada, onde se lê:
“À memória do Dr. António Baptista Lopes, o melhor dos meus amigos”.
[4] Num dos seus
livros, escreveu s seguinte dedicatória: “Ao snr. Manuel Pedrosa, Director do
Colégio em Guimarães onde fui tantos anos aluno, como símbolo da minha gratidão
e sinal da minha amisade, com um abraço do Elísio de Vasconcelos. Porto, 1945”.
[5] Arquivo Distrital de Braga (doravante ADB), Fundos
Notariais, Notário Silva Júnior, livro 182, fl. 22.
[6] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário José
Luiz da Silva Júnior, livro 350, fls. 45v-50.
[7] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário José
Luiz da Silva Júnior, livro 245, fls. 45v-48.
[8] “Da Crítica”, in
Vasconcelos, Elísio, Poliedro. Sonetos e
outras poesias, Porto, Livraria Portugália, 1946, pp. 70-71.
[9] Cf. Jornal
“Maria da Fonte”, nº 48 (19ª série), de 30 de Maio de 1965, p. 2.
[10] Cf. Jornal
“Maria da Fonte”, nº 48 (19ª série), de 30 de Maio de 1965, p. 2.
[11] Cf. Jornal
“Maria da Fonte”, de 27 de Janeiro de 1963.
[12] Cf. Jornal
“Maria da Fonte”, nº 48 (19ª série), de 30 de Maio de 1965, p. 2.
[13] Vasconcelos,
Elísio de, “O Tempo”, in Poliedro. Sonetos e outras poesias, Porto, Livraria
Portugália, 1946, p. 36.