José Baptista de Almeida Faria |
Nos anos seguintes, ouvi falar muitas e muitas vezes no Dr. Faria.
Às vezes Dr. Faria, outras Dr. José Faria, e outras, ainda, quando se tratava
de pessoas que lhe eram mais íntimas, Dr. Zeca Faria. Nunca fomos próximos, nem
coisa que com isso se pareça. Mas ao longo do tempo, aprendi a admirá-lo mais
ainda e falámos algumas vezes sobre coisas da Póvoa. Pela sua simplicidade,
pelos seus dons de oratória, que escutei muitas vezes e em diversas
circunstâncias, pelo bem que dele sempre ouvi dizer como médico e pelo que, em
conversas mais restritas, aprendi quanto à sua forma de estar na vida. Ao que
sei, podia ter sido muito nesta terra, mas nunca aceitou seguir por caminhos que
não eram os seus nem quis ser mais que um bom médico e um cidadão honrado.
Nascido na freguesia de Lanhoso a 5 de maior de 1929, José
Baptista de Almeida Faria era filho de José Baptista Rodrigues de Faria e de
sua esposa dona Valentina Almeida de Faria. Descendia pois de duas famílias com
pergaminhos nesta terra. De um lado, a família Faria, onde pontificaram médicos
e proprietários, e da qual destaco um tio-avô, o padre João Crisóstomo
Rodrigues de Faria (1872-1955), que foi professor e capelão do hospital António
Lopes, mas que se distinguiu, sobretudo, por ser um amigo e benfeitor dos
pobres desta terra, a quem dava milho e vinho da sua propriedade e que chegava
a levar-lhes lenha a casa, quando sabia que a miséria invadia certos lares. Do
outro lado a família Almeida, da qual distingo o patriarca, João Almeida, que
tendo partido para o Brasil sem saber ler nem escrever, ali frequentou escola,
tendo chegado a publicar um livro sobre a importância da leitura e do ensino.
Regressou bastante remediado à nossa terra, sendo um dos primeiros
“brasileiros”, ainda em finais do século XIX, a instituir na Póvoa prémios para
incentivar as crianças a aprender.
Oriundo, pois, de famílias de gente boa e distinta, o Dr. José
Baptista de Almeida Faria, seguindo uma tradição familiar, formou-se em
medicina em 1953, licenciatura que complementou, logo depois, com o curso de ciências
pedagógicas da faculdade de letras de Coimbra. Sobre ele, dizia-nos em 1956 o
semanário Maria da Fonte: “Depois de
larga prática nos Hospitais de Lisboa e Porto, vai, finalmente, abrir ao
público o seu bem apetrechado consultório no Largo do Amparo, desta vila o
distinto clínico [Dr. José de Almeida Faria]. Dotado de um carácter franco,
dedicado ao estudo, cedo revelou seus dotes de inteligência, fazendo e
concluindo com brilho a sua formatura, na Faculdade de Medicina da Universidade
do Porto, onde, igualmente, em tempos já distantes, se distinguiram seu avô
paterno, Dr. José Maria Rodrigues de Faria e seu bisavô, também paterno, Dr.
José Baptista Gonçalves Dias, ainda hoje recordados com saudade – aquele no
nosso concelho, e este na cidade do Porto”[1].
A partir dessa data o Dr. José de Almeida Faria desenvolveu a sua
medicina na nossa terra, onde se tornou um profissional admirado e um homem
respeitado, a par de outros nomes como os do Dr. Albino José da Silva, Dr.
António Oliveira e Dr. Alcindo Antunes, que juntamente com ele, foram, durante
décadas, os médicos da Póvoa.
Casou com D. Leonor Puentes Saavedra, natural de Redondela,
Espanha, com quem teve um filho a que deram o nome de José Ângelo.
Em 1972, aos 43 anos de idade, foi mobilizado para a então província
portuguesa de Timor. Ali exerceu funções como médico militar, com o posto de
tenente-coronel. Mas, imbuído dessa nobre filosofia de que um médico deve estar
sempre onde os doentes dele necessitam, embora pudesse ter-se negado a fazê-lo,
aceitou, durante cerca de um ano, exercer como delegado de saúde em Ermera,
sítio de montanha para onde se disponibilizou a partir. A sua ida para Timor
foi igualmente relatada no já citado órgão da imprensa local, em 7 de outubro
de 1972: “Saiu daqui [da Póvoa] na penúltima quinta-feira e embarcou de avião,
em Lisboa, com destino a Timor, por ser mobilizado para prestar uma comissão de
serviço naquela província ultramarina [o Dr. José de Almeida Faria]. Ali vai
passar 2 anos e tal, levando consigo a esposa, D. Leonor Puentes Saavedra e o
filho José Ângelo, estudante liceal”[2].
Voltou à Póvoa em outubro de 1974, sendo recebido com girândolas de foguetes e
com grande alegria pelo povo da sua terra.
De regresso ao torrão natal, desempenhou vários cargos ligados à
atividade médica, tendo sido delegado de saúde e médico do hospital. Ali, para
além de todos os outros doentes que tratou, assistiu a centenas de partos,
tendo ajudado outros tantos povoenses a nascer.
No pós-25 de abril, integrou a comissão nomeada para administrar o
hospital António Lopes, cuja gestão o Estado tirou despoticamente à
Misericórdia, a quem pertencia. Mas o Dr. José Faria era sobretudo um médico,
um homem de ciência, um humanista e, embora o discurso político lhe estivesse
na alma e lhe corresse no sangue – sabe-o quem o ouvir discursar, anos a fio,
no jantar que todos os anos o Partido Socialista organizava na noite de 24 para
25 de abril, em comoração desse “dia inicial, inteiro e limpo” como lhe chamou
Sophia de Mello Breyner; sabe-o quem o escutou tantas vezes quanto mandatário
de vários candidatos do PS; sabe-o quem o escutou discursar nas mais diversas
circunstância, como aquele elogio fúnebre que refiro ao iniciar este breve
texto – o poder não o seduzia. Descontente com os caminhos que a gestão do
hospital e da Misericórdia tomava naquele tempo quente pós-revolucionário,
pediu demissão mas, como lha não aceitassem, deixou de comparecer às reuniões.
Não obstante, nunca faltou aos seus doentes, aos particulares e aos do serviço
público, nem como médico e como amigo.
José Baptista de Almeida Faria morreu no dia 15
de fevereiro de 2014, tendo a sua morte, por inesperada, deixado toda a Póvoa
mergulhada num manto de tristeza. Com ele desapareceu um símbolo: o de um homem
que podia ter sido tudo nesta terra, presidente da câmara, provedor da
misericórdia, presidente dos bombeiros, tudo, mas que nunca quis o poder, que
nunca quis ser mais que um simples médico e um homem de bem.
Foi sepultado no cemitério da Póvoa no dia 17 de fevereiro (2014), contando o seu
funeral com a presença de muitos e muitos povoenses. Faltou, contudo, uma voz
profundamente conhecedora do seu percurso que, como ele fizera tantas vezes em
relação a outros, traçasse, junto ao seu caixão, o elogio fúnebre que merecia.
O que de modo algum diminui a sua história e o seu exemplo enquanto grande
médico e homem de bem.
José Abílio Coelho