sexta-feira, 17 de junho de 2011

João de Almeida, “O Cego” (1845-1930) - Capitalista

João de Almeida, também conhecido por “João Cego”, devido ao estado de cegueira que, já adulto, o atingiu, foi um povoense de marcado carácter, odiado por muitos e por outros tantos amado.
Natural da freguesia de Fontarcada, onde nasceu aos 4 dias o mês de Agosto de 1845, era filho de António José da Silva e de dona Umbelina Tereza da Silva.
Depois de ter obtido uma rudimentar instrução básica, trabalhou, desde criança e até aos 28 anos, na agricultura. Aos 22 anos de idade dedicou-se a aprender música, tendo, depois, integrado numa banda filarmónica, com ela percorrendo toda a província. Foi por essa altura que começou a sentir uma imensa necessidade de partir, de conhecer mundo e, se possível, de garantir uma vida mais desafogada que aquela que a vida parecia querer dar-lhe. O Brasil era, nesses inícios do último quartel do século XIX, o destino desejado, o El Dorado que a todos fazia sonhar, e para João de Almeida o sonho não era distinto. E foi assim que, em 1874, contando 29 anos de idade, embarcou no vapor “Almeida Garret” com destino ao Rio de Janeiro, empregando-se na casa “Salgado Guimarães & Pereira” e, anos mais tarde, na “Magalhães Emílio & Comp.ª”, ambas com sede na Rua da Alfandega e dedicadas ao negócio de mobiliário e colchoaria.
Para além de lhe abrir lugar num emprego limpo, bem pago, o Brasil abriu a João de Almeida outras oportunidade, como a de aprender, de se cultivar, no fundo, de adquirir a “Luz” que o seu próprio país lhe negara. E ao longo de sete anos, trabalhou e estudou, matriculando-se, primeiro, como aluno do Liceu Literário Português, frequentando aulas nocturnas durante dois anos. A dedicação à aprendizagem valeu-lhe o reconhecimento e um diploma de mérito, bem como duas medalhas de prata. Tinha 32 anos de idade. Frequentou, depois, com igual aproveitamento, o Liceu de Artes e Ofícios, obtendo aprovação no exame final a que foi submetido. Maduro, conhecedor do meio, decidiu, então, estabelecer-se, alugando uma loja ainda na Rua da Alfandega, onde instalou o seu próprio negócio no mesmo ramo de negócio que praticara enquanto caixeiro.
Em 1891, cansado pela luta constante para singrar na vida, embora já senhor de significativos bens, empreendeu o primeiro regresso a Portugal. Mas, restabelecido de alguns problemas de saúde, voltou ao Rio de Janeiro, para se dedicar ao seu comércio. Tornou-se, nessa altura, benemérito da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, do Real Club Ginástico Portuguez e do Liceu Literário Português. Fez ainda parte de várias irmandades da cidade, com destaque para a de Nossa Senhora da Candelária e de Nossa Senhora Mãe dos Homens, tendo, nesta, chegado aos órgãos dirigentes como tesoureiro.
Enveredou, então, pelos negócios imobiliários, ao adquirir no Rio de Janeiro vários prédios em ruínas, que depois reconstruir e vendeu, aumentando significativamente a sua fortuna pessoal.
Cansado do Brasil, com as saudade da sua terra a falarem mais alto no seu coração de povoense, vendeu os seus negócios em hasta pública e preparou o regresso a Portugal e à sua terra natal. Nesse entretanto a vida castigou-o duas vezes. Na primeira, levou-lhe a primeira esposa, mãe de sua, até então, única filha, Maria Antonieta. A segunda (no dia 1º de Abril de 1898), e vindo ele a descer o morro de Santa Teresa em direcção ao largo Carioca, sentiu-se subitamente envolto numa profunda nebulosidade: estava cego! Os médicos que consultou chegaram a prognosticar-lhe pouco tempo de vida, mas não quis assim a Natureza. Embarcou, enfim, rumo a Portugal.
Em Portugal, procurando cura para o seu mal, correu tudo quanto havia de praias, de termas, consultou os mais afamados médicos. Porém, sem resultados.
Construiu, então, casa na Póvoa de Lanhoso, onde viveu um novo futuro. E reconstruiu a sua vida, com o crescimento da família. A sua casa, construída no coração da Vila da Póvoa, ainda hoje se destaca de entre as demais. Tem marcada na frontaria a data 1910.
Sendo um homem que, até aos 30 anos, pouco mais sabia que escrever o seu nome, é notável o crescimento depois de, no Rio de Janeiro, se ter dedicado à aprendizagem. De modo que, em 1896, escreveu, e publicou, no Rio de Janeiro, uma espécie de história da Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Redigiu ainda um livro, que nunca foi publicado, com notas e impressões da sua vida.
Quando em 1895 veio a Portugal em férias pela primeira vez, promoveu na Póvoa de Lanhoso uma festa escolar e literária. Nela distribuiu medalhas de prata aos alunos distintos e proferiu uma palestra, na qual falou sobre o atraso da nação portuguesa comparada com todas as demais nações da Europa e com algumas da América, afirmando que, existindo no nosso país cinco milhões e meio de habitantes, apenas quinhentos mil sabiam ler, e muitos pessimamente e referindo-se à instrução da mulher, disse que, em Portugal, existia apenas uma escola para cada duas mil mulheres.
João Almeida foi, em suma, um homem que amou a instrução.
Diz-se que era muito senhor do seu nariz. Terá sido, aliás, um dos poucos povoenses que, em determinadas matérias, bateu o pé a António Lopes em alguns dos projectos (especialmente em matérias de negócios pessoais) que este pretendia fazer avançar. Em alguns deles, João de Almeida estava cheio de razão.
Faleceu na Póvoa de Lanhoso, aos 85 anos de idade no dia 16 de Novembro de 1930, deixando cinco filhos: Maria Antonieta (casada com o industrial lisboeta Albert Benvalet), Lusbelo, Antenor, Aníbal e João de Almeida.

José Abílio Coelho