António Ferreira Lopes merecia uma página especial nesta listagem de “Figuras da Póvoa de Lanhoso”, página que permitisse aos leitores uma ideia aproximada da dimensão da sua dedicação e dádiva à terra onde nasceu, quer em vida, com a completa revolução que encetou na vila em termos arquitectónicos e na prestação de apoios aos seus conterrâneos mais desfavorecidos[1]; quer após a sua morte, pelos legados que instituiu e que permitiram uma segunda fase de desenvolvimento na sua terra e da qual se destaca a construção do novo edifício dos Paços do Concelho e da escola do ensino básico[2]. É que, mais de oitenta anos volvidos sobre o seu desaparecimento, é quase impossível aos povoenses de hoje conhecerem a verdadeira dimensão do esforço que, este homem de baixa estatura física, mas de elevadíssimo carácter e dimensão humana, prestou aos povoenses da primeira metade do século XX, especialmente aos mais desamparados da sorte, dedicação que, em muitos casos, arrasou as barreiras do tempo e se mantém viva até hoje. Não é possível, de momento, dedicar-lhe essa página de ouro neste despretencioso site de biografias de povoenses, mas haverá, num futuro próximo, outras oportunidades e suportes para melhor se conhecer a obra grandiosa do Grande Benemérito em favor da Póvoa e dos povoenses.
Por agora, fica esta nota, que não sendo exaustiva, se baseia numa pesquisa séria e demonta alguma informação deturpada que nas últimas décadas pode ter deixado alguma confusão.
António Ferreira Lopes nasceu no lugar de Oliveira da freguesia de Fontarcada, concelho da Póvoa de Lanhoso, no dia 14 de Abril de 1845, ou seja, quase um ano antes da Revolução da Maria da Fonte. Era filho natural de Maria da Purificação Fernandes[3], uma jovem de apenas 18 anos, que só três anos depois do nascimento deste filho viria a casar José Joaquim Lopes, pai do pequeno António. José Joaquim Lopes era de Calvos. Após o casamento com Maria da Purificação, o casal teve vários outros filhos.
Aos 12 anos de idade, António Lopes, a exemplo de muitos outros jovens portugueses que, no seu próprio país, tinham a vida dificultada pela péssima situação político-económica que então se vivia em Portugal, partiu para o Rio de Janeiro, cidade capital do recém-independente Império do Brasil, que vivia então um período de grande crescimento económico e que tinha as suas fronteiras abertas à emigração, fruto das primeiras ameaças do fim da escravatura.
Ali chegado, empregou-se como marçano num estabelecimento de venda de cereais, onde se manteve até aos 19 anos. Nessa casa comercial que aprendeu todos os segredos da sua profissão, experiência que consigo transportaria para um outro “negócio” do mesmo ramo onde, ainda como empregado, trabalhou até aos 25 anos de idade. Foi neste estabelecimento que, usando de alguma autonomia que os negócios nessa altura permitiam, começou a ganhar dinheiro. De tal forma, que pelos 25 anos decidiu mudar o seu nome de baptismo (era António Emílio Lopes) para António Ferreira Lopes, “para não ser confundido” nas casas bancárias com outro homem de negócios que ali vivia, com o mesmo nome. Este pormenor, que à primeira vista poderia passar despercebido mas que o “brasileiro” das Casas Novas fará questão de vincar, muitos anos depois, ao fazer o seu testamento, mostra-nos que António Ferreira Lopes era já, aos 25 anos de idade, um comerciante com considerável nome na praça do Rio de Janeiro.
É, pois, pelos 25 anos e já com algum estatuto, que se associa, como “interessado” à “Câmara & Gomes”, um grande estabelecimento comercial que dava então os seus primeiros passos e que tinha como sócio principal um outro emigrante português natural da Ilha da Madeira: Manoel de Pontes Câmara de seu nome, um rico comerciante da cidade. António Lopes começava naquela empresa uma vida ainda de maior êxito, pois os negócios da “Câmara & Gomes”, da qual agora era sócio, estendiam-se dos couros aos cereais, ao açúcar e aos cafés, especialmente a estes, que exportavam para toda a Europa.mA par do comércio, encontra-se envolvida em negócios de empréstimos de capital a juros.
Alguns meses depois de se ter feito sócio de Manuel de Pontes Câmara, viria a conhecer, na casa deste seu sócio, Elvira de Pontes Câmara, filha do emigrante madeirense, com quem iniciou um namoro. Em 1875, António Lopes vem a casar com Elvira de Pontes Câmara: ela tinha 18 anos, ele 29. Nos anos seguintes, fruto de um trabalho empenhado e bafejado pelo calor da sorte, avoluma-se mais ainda a fortuna do emigrante povoense.
Em finais da década de 1880, decide regressar definitivamente a Portugal, junto com a esposa, traz consigo uma monumental fortuna.
Passa a ter casa em Lisboa e na Póvoa de Lanhoso, onde para sua residência manda construir o belo Palacete das Casas Novas. Sem filhos, o casal dedica-se à benemerência. Dona Elvira, é, na Póvoa de Lanhoso a “santa mãe” dos desfavorecidos da sorte, das mães solteiras, das crianças a quem a fome e o frio consomem. As portas do palacete das Casas Novas, quando o casal cá se encontra em férias, abre as suas portas a Bispos e a Ministros, mas abre-as da mesma forma aos pobres que ali procuram um pedaço de pão para atenuar a fome ou uma peça de roupa para se agasalharem do frio. Dona Elvira é a protectora dos pobres, mas conta sempre, em todas as situações, com o apoio do marido.
Em 1904 é António Lopes manda construir no Largo de Serpa Pinto[4] uma casa de espectáculos, Theatro Club, que passa a ser sede de sociabilidade povoense, com as portas abertas aos mais ricos e aos mais pobres. No rés-do-chão do mesmo edifício, manda instalar uma Corporação de Bombeiros, que funda e também sustenta.
Entre 1900 e 1927, data da sua morte, António Ferreira Lopes faz muitas outras obras na terra, da abertura de estradas à doação de terrenos para espaços públicos, do arranjo de jardins à construção do primeiro bairro social que a terra teve. A sua obra maior foi, contudo, o hospital que construiu e inaugurou em 1917, e destinou a doentes pobres do seu concelho.
Entre 1917 e 1927 (ano da sua morte), este hospital seria mantindo exclusivamente por António Lopes, que do seu bolso, desde os ordenados de médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, à instalação da mais moderna aparelhagem que à época se usava em hospitais da mesma dimensão. Quando faleceu, em 22 de Dezembro de 1927, no seu Lisboa, António Ferreira Lopes deixou em testamento o hospital aos povoenses, e dinheiro ou títulos da dívida pública, não só para a manutenção da casa de saúde, como para a construção de um novo edifício dos Paços do Concelho, de uma nova escola primária para crianças dos dois sexos e para a abertura de novas estradas. No longo testamento, não esqueceu a família e os amigos. E nem os seus mais fiéis servidores, do barbeiro à engomadeira, da cozinheira às empregadas de limpeza, esqueceu de deixar bem.
Na década de 1910, o município atribuiu o seu nome ao Largo onde morava e onde possuía o seu palacete. Na década de 1920, uma comissão de povoenses erigiu no centro do mesmo largo um memorial em sua honra. Na década de 1930, e já após a sua morte, Arlindo António Lopes, seu sobrinho e herdeiro, e Álvaro Ferreira Guimarães, seu grande amigo, pagaram do seu bolso o busto que se encontra à entrada do hospital que tem o seu nome. Outras homenagens lhe foram fazendo ao longo das últimas oito décadas. Mas o mais importante, em nossa opinião, é que passadas mais de oito décadas do seu desaparecimento do mundo dos vidos, os povoenses continuam a recordá-lo como o seu mais importante concidadão.
José Abílio Coelho