sábado, 4 de fevereiro de 2012

Francisco da Cruz Vieira e Brito (1893-1968) - Benemérito

Dr. Francisco Vieira e Brito
Francisco da Cruz Vieira e Brito nasceu às duas horas da tarde do dia sete de Setembro de 1893, no lugar de Sobradelo, da freguesia de Redufinho, concelho da Póvoa de Lanhoso. Era filho do Dr. Bernardino Ribeiro de Vieira e Brito, facultativo do Partido da câmara municipal de Amares, oriundo da mesma freguesia de Santa Maria de Rendufinho, e de sua esposa, D. Quitéria de Jesus da Cruz de Vieira e Brito, esta natural da de São Paio de Brunhais, ambas as freguesias do concelho da Póvoa de Lanhoso.
Seus pais haviam casado na igreja de Fontarcada, residindo, à época do nascimento deste primeiro filho, na freguesia de Ferreiros do concelho de Amares. O recém-nascido — neto paterno do doutor Francisco Hilário Ribeiro de Sousa e Brito e de D. Felizarda Rosa Vieira de Campos, e materno de Francisco José da Cruz e D. Emília Rosa da Silva e Sá — foi baptizado pelo reverendo José Joaquim Álvares na igreja da sua paróquia natal, aos quatro dia de Outubro do mesmo ano do nascimento. Para padrinho do pequeno Francisco foi escolhido o Senhor D. Francisco José Ribeiro de Vieira e Brito, bispo de Angra e Ilhas dos Açores o qual, não podendo estar presente, foi legalmente representado por seu bastante procurador e irmão, reverendo João Maria Ribeiro de Vieira e Brito; e para madrinha a senhora D. Conceição Cruz, no estado de solteira, proprietária, da freguesia de São Paio de Brunhais. Eram ambos tios da criança baptizada[1].
Pouco mais de um ano passado, isto é, ao sétimo dia do mês de Dezembro de mil oitocentos e noventa e quatro, nascia na mesma casa de Sobradelo de Rendufinho seu irmão único, a quem foi dado o nome de António[2], o qual foi baptizado na igreja da mesma paróquia aos oito dias do mês de Janeiro de mil oitocentos e noventa e cinco, sendo celebrante da cerimónia o Senhor D. Francisco José Ribeiro de Vieira e Brito, ainda bispo de Angra e mais tarde titular da diocese de Lamego, e padrinhos o reverendo João Mara Ribeiro de Vieira e Brito e D. Antónia Bernardina Ribeiro de Vieira e Brito, solteira, proprietaria, ambos tios paternos da criança, naturais e residentes na freguesia de Santa Maria de Rendufinho[3].
Não conseguimos descortinar, pelo menos por agora, os passos da juventude destes dois irmãos, que parecem ter sido sempre bastante unidos. Sabemos, porém, que, em 1905, era seu tutor o tio padre João Maria Ribeiro de Vieira e Brito, que por eles “e perante o notário desta comarca de Póvoa de Lanhoso, Lino António Rebelo”, assinou uma escritura, em que as crianças mutuaram a José Antonio Vieira e sua mulher, da freguesia de Friande, Póvoa de Lanhoso, “capital de quatrocentos escudos sujeito ao juro correspondente à tabela anual de cinco e meio por cento e hipoteca, que foi devidamente registada no livro treze a folhas vinte e uma verso sob o número 5.797”. No ano seguinte, em cinco de Julho, é ainda o tio padre quem por eles volta a assinar uma escritura de empréstimo de cento e sessenta escudos, dados ao juro de cinco e meio por cento a António Joaquim Fernandes, pela qual este “lhes havia feito hipoteca de vários prédios”[4].
Seriam, nessa altura, os pequenos órfãos? A pesquisa poderá levar-nos a alguma resposta, que pelo menos por agora não existe. Mas duas coisas nos levam a pensar que assim pudesse ter sido: em primeiro lugar, por terem um tutor. E em segundo, por, meninos ainda, terem já de seu dinheiro para emprestar a juros. Seria esse dinheiro herdado de seus pais?
Também ainda não conseguimos apurar, pelo menos por agora, a razão pela qual ambos os irmãos habitaram durante vários anos em Castelões, freguesia do concelho de Guimarães bastante distante da de Rendufinho. Mas sabemos que criaram ali profundas raízes, que tiveram ali propriedades, e que de tal forma a freguesia os prendeu que, pelo menos o Dr. Francisco da Cruz Vieira e Brito, veio ali a enterrar quando faleceu, em 1968.
O primeiro dos irmãos[5], Francisco da Cruz Vieira e Brito, fez os preparatórios no liceu nacional de Braga, seguindo depois para a cidade de Coimbra, onde em 1911 se matriculou e onde se formou em medicina. Deve ter concluído a licenciatura em 1919, ano em que fez a sua matrícula para doutoramento. Entre 1921 e 1926, leccionou na UC as cadeiras de Clínica e Policlínica Médica, tendo, durante os mesmos anos, desempenhado o cargo de analista do Laboratório de Análises Clínicas da Universidade. Em Outubro de 1926 despediu-se do corpo docente da Universidade, passando a leccionar como professor agregado no Liceu José Falcão, ainda em Coimbra, a partir de 1927. Ali ficou a residir alguns anos e a exercer a sua profissão de médico durante algum tempo, pois é residente nessa cidade e na qualidade de clínico que o dá uma procuração passada ao amanuense na Póvoa de Lanhoso Guilherme José Carneiro[6], para que este representasse ambos os irmãos numa escritura, procuração passada em Julho de 1925[7]
Mais tarde e por largos anos, o Dr. Francisco veio residir na Avenida Central, número 131, em Braga, tendo-se tornado professor do ensino liceal na cidade, profissão com a qual se reformou[8]. É natural que em parelelo exercesse também na cidade a medicina.
Mas voltemos um pouco atrás, a 1922, ano em que outorgaram a favor da sua rendeira Maria Joana Gomes, viuva e residente na mesma freguesia, a quem aqueles, sendo senhores de um foro anual de uma galinha, um frango, uma dúzia de ovos e um alqueire de milho alvo, que era obrigada a pagar-lhes esta, lhe vendem uma casa e horta junta, sitos no lugar da Devesa, através da entrega do domínio directo pelo pagamento de vinte vezes o foro acrescido do respectivo laudémio de quarentena, liquidado à face da tarifa camarária deste concelho, importância total de duzentos e trinta escudos e quarenta e sete centavos, que já receberam[9].
Em 1924, quando, residindo “acidentalmente” em Castelões[10], como é referido no documento notarial, os irmãos outorgaram uma permuta de imóveis, na mesma freguesia de Garfe, com José Baptista da Silva e mulher Esmeralda de Oliveira Peixoto, proprietários e moradores, tendo trocado entre eles leiras e matas[11].
Os irmãos, possuiram as vastíssimas propriedades herdadas, em comum até ao ano de 1959. A oito de Agosto desse ano, fizeram perante o notário João Machado da Silva, na Póvoa de Lanhoso a partilha desses bens, nos seguintes termos. “Divisão de bens comuns: os doutores Francisco da Cruz Vieira e Brito e António da Cruz Vieira e Brito são proprietários em comum de um conjunto de prédios descritos em letra de máquina em onze meias folhas de papel selado de cinco escudos (…); o valor global dos bens comuns é de cento e sessenta e sete mil, seiscentos e trinta e quatro escudos (…), tendo o quinhão do primeiro outorgante o valor de oitenta e três mil oitocentos e dezassete escudos sendo de igual valor e o do segundo”. Que não lhes sendo conveniente continuar na “indecisão”, decidiram dividi-los entre si, criando para a partilha dois lotes, sendo o lote A e o lote B. Ao primeiro são entregues todos os prédios constantes do lote A, com suas águas e outros pertences (…), tornando aos segundos outorgantes o valor em dinheiro de mil cento e treze escudos[12].
Refira-se, para se entender do que falamos, que os dois irmãos, Francisco e António, foram únicos e universais herdeiros do seu tio, reverendo João Mara Ribeiro de Vieira e Brito, falecido em Rendufinho, Póvoa de Lanhoso, em nove de Julho de 1954. A relação de bens herdados deste comporta 216 prédios, pelo valor matricial de 571.674$00[13]. Não podemos deixar de dizer, contudo, que o valor matricial destas propriedades é infinitamente inferior ao valor real das propriedades, pois, como veremos já de seguida, por apenas dois campos e uma sorte de mato, pagaria o Dr. Francisco, dois anos depois, quase meia centena de contos.
Certo é que Francisco da Cruz Vieira e Brito possuía, em meados da década de 1950, cerca de 200 prédios, entre urbanos ou rústicos, situados nas freguesias de Rendufinho, Garfe, Serzedelo, S. João de Rei, Oliveira e Friande[14], aos quais se juntavam outros ainda não inventariados, nomeadamente uma quinta em Porto d’Ave, freguesia de Taíde, que viria a legar à Irmandade da Senhora do Porto. Apesar do seu vastíssimo património imobiliário, o Dr. Francisco, em 1956, continuava a comprar propriedades, como aconteceu com os campos da Senra e da Leira, com água de lima e rega da poça do Verdeal, e com a sorte do mato da Volta ou do Penedo da Boca Aberta ou ainda das Trinta Carvalhas, na freguesia de Taíde, adquiridas por quarenta e cinco mil escudos a Parcídio Joaquim Fernandes Vaz, solteiro, maior, empregado comercial residente na rua do Monte Cativo, número 440, na cidade do Porto[15].
Falta-nos apurar todas as benemerências feitas em Porto d’Ave, mas é certo que para além de doações, pagou do seu bolso várias obras feitas no santuário.
O Dr. Francisco da Cruz Vieira e Brito faleceu, solteiro, na sua residência, sita à freguesia de São Victor, em Braga, em oito de Junho de 1968[16], depois de uma “melindrosa operação. Tinha 74 anos de idade e foi sepultado no cemitério de Castelões, concelho da Guimarães[17].

José Abílio Coelho


[1] Arquivo Distrital de Braga (doravante ADB), Fundos Paroquiais, Póvoa de Lanhoso, paróquia de Santa Maria de Rendufinho, livro 559, fls. 71-71v.
[2] O Dr. António da Cruz Vieira e Brito viria a casar com D. Maria Regina de Freitas Ribeiro, doméstica, natural da vila de Fafe, em Março de 1930, falecendo na freguesia das Mercês, em Lisboa, em cuja avenida Cinco de Outubro, número 12 habitou muitos anos, no dia 30 de Março de 1962. Cf. ADB, Fundos Paroquiais, Póvoa de Lanhoso, paróquia de Santa Maria de Rendufinho, livro 559, fls. 78 v.-79, nota à margem do assento de baptismo.
[3] ADB, Fundos Paroquiais, Póvoa de Lanhoso, paróquia de Santa Maria de Rendufinho, livro 559, fls. 78 v.-79.
[4] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário: José Luís da Silva Júnior, livro 75, fls. 44-48. As hipotecas destes empréstimos foram levantadas, ambas, no dia 9 de Julho de 1925.
[5] Seu irmão mais novo, António da Cruz Vieira e Brito, seguiria direito, tendo-se tornado advogado e notário, primeiro em Fafe, e mais tarde em Lisboa. Cf. ADB, Fundos Notariais, Póvoa de Lanhoso, notário José Luís da Silva Júnior, livro 75, fls. 44-46.
[6] Guilherme José Carneiro, solteiro, maior, amanuense de cartório, residente no lugar de calvos, freguesia de são genes, Póvoa de Lanhoso. Cf. ADB, Fundos Notariais, Póvoa de Lanhoso, notário José Luís da Silva Júnior, livro 75, fls
[7] ADB, Fundos Notariais, Póvoa de Lanhoso, notário José Luís da Silva Júnior, livro 75, fls. 44-46. Na mesma escritura seu irmão António era identificado como notário e advogado residente em Fafe.
[8] Jornal Maria da Fonte, de 15 de Junho de 1968.
[9] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário; José Luís da Silva Júnior, livro 973, fl. 44-45v.
[10] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário; José Luís da Silva Júnior, livro 973, fl. 44-45v. Escritura feita e assinada no lugar de Porto d’Ave da freguesia de Taíde, aos sete de Setembro de 1922. Realizando-se a romaria da Senhora do Porto no dia 8 de Setembro, é quase certo que ali estariam para assistir à festividade, ali se tendo deslocado a compradora e o notário.
[11] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário; José Luís da Silva Júnior, livro 75, fls. 44-48.
[12] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário: João Machado da Silva, livro 478, fls. 90-93.
[13] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário: João Machado da Silva, livro 478, fls. 90-93. Maço de notas a margem – ano de 1960 – s/ paginação.
[14] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário: João Machado da Silva, livro 478, fls. 90-93. Maço de notas a margem – ano de 1960 – s/ paginação.
[15] ADB, Fundos Notariais da Póvoa de Lanhoso, notário: João Machado da Silva, livro 443, fl. 4-8v.
[16] ADB, Fundos Paroquiais, Póvoa de Lanhoso, paróquia de Santa Maria de Rendufinho, livro 559, fls. 71-71v. Cf. nota à margem do seu registo de baptismo.
[17] Jornal Maria da Fonte, de 15 de Junho de 1968.